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domingo, 30 de março de 2025

Kit de emergência europeu

 

Num conjunto de diretivas apresentado, em Bruxelas, por estes dias, a Comissão Europeia propõe trinta ações-chave para os governos e os cidadãos da União Europeia estarem preparados para enfrentar eventuais guerras armadas, ciberataques, pandemias e os efeitos extremos da crise climática.

Entre as orientações da "Estratégia de preparação da União" conta-se a proposta de que cada agregado familiar disponha de um kit com água potável (seis garrafas por pessoa), alimentos não perecíveis (como conservas em lata, arroz e massa), lanternas e pilhas; rádio analógico a pilhas; e um kit completo de primeiros socorros... para aguentar 72 horas sem ajuda externa no caso de “incidentes e crises intersetoriais de grande escala, incluindo a possibilidade de agressão armada, que afetem um ou mais Estados-membros”.

= Para alguns entendidos este conjunto de orientações pareceu algo alarmista, enquanto outros, ainda digerindo a surpresa, se foram perguntando sobre o significado mais abrangente destas medidas. Nas dezassete páginas da ‘Estratégia’ consideram-se como fatores agravantes: as tensões geopolíticas, no contexto de uma nova corrida ao rearmamento face à Rússia e a aparente aproximação dos EUA ao Kremlin...

= Esta nova forma de entender as coisas e de as enfrentar, traz-nos à lembrança dos cerca de oitenta anos em que a Europa no seu todo, com algumas exceções viveu em paz. Como se explica esta ‘longa paz’ na Europa?
De facto, para os europeus, a guerra tem sido tema recorrente da sua existência coletiva. A paz, essa, ao invés, tem sido infelizmente a verdadeira exceção. A Europa do após-Segunda Guerra Mundial apresenta dois grandes momentos: de 1945-1989, procurou-se construir a paz... sem esquecer a dira ‘guerra fria’ entre o Ocidente o Leste da Europa; de 1989-2022, aproveitou-se para viver e desfrutar da paz.
Bruscamente, em 2022, a Europa acordou novamente para o fim dessa paz que, afinal, era tudo menos perpétua, iniciando-se um momento intranquilo em que nos encontramos. Com exceção de alguns conflitos localizados que resultaram da independência de novos Estados após o colapso da União Soviética, nestas quase oito décadas não houve guerra na Europa.
Em 2012, a União Europeia recebeu mesmo o Prémio Nobel da Paz por uma decisão unânime do Comité Norueguês do Nobel., pois durante mais de seis décadas contribuiu para o avanço da paz e da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa. Os principais fatores citados como razões para esta ‘longa paz’ incluíram o efeito dissuasor das armas nucleares, os incentivos económicos à cooperação causados pela globalização e pelo comércio internacional, o aumento mundial do número de democracias, os esforços do Banco Mundial na redução da pobreza, e os efeitos do empoderamento das mulheres e da manutenção da paz pelas Nações Unidas.
No entanto, nenhum fator é uma explicação suficiente por si só e, portanto, são prováveis fatores adicionais ou combinados. Outras explicações propostas incluíram a proliferação do reconhecimento dos direitos humanos, o aumento da educação e da qualidade de vida, mudanças na forma como as pessoas encaram os conflitos (como a presunção de que as guerras de agressão são injustificadas), o sucesso da ação não violenta, e fatores demográficos, como a redução das taxas de natalidade.

= Chegados a esta etapa da História da Humanidade, vemos, na Europa, sinais algo preocupantes para o nosso futuro coletivo: sem dramatismo nem despreocupação, precisamos de saber interpretar ‘os sinais dos tempos’ - essa feliz expressão do Concílio Vaticano II, na Constituição pastoral ‘Gaudium et spes’ sobre a Igreja no mundo atual, n.º 4 - por entre as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e mulheres de hoje, como os de ontem e, possivelmente, os de amanhã.
Não será que este kit revela mais do que seria desejável?



António Sílvio Couto

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