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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Carta aberta aos antigos frequentadores do Seminário Menor de Braga

 

Agora que se completam cem anos dessa casa que nos serviu de ‘escola’ de vida – educativa e intelectual, religiosa e espiritual, humana e cultural – durante significativas etapas da nossa vida, desejo partilhar convosco o que foi para mim esse tempo – de 1969 a 1974 – e como que deixar sugestões para os que viveram idêntica experiência.

* Dizem que passaram pelo Seminário Menor – apelidado ainda de Nossa Senhora da Conceição ou da Tamanca – cerca de dez mil alunos. Desses tantos talvez só tenham sido ordenados padres dez por cento. Mas quantos bons homens e homens bons – que são mais do que ‘sacristães’ qualificados – estiveram e estão na vida da nossa sociedade. É a esses – vós, para usar a linguagem nortenha – que me quero dirigir com verdade e sinceridade, com humildade e espírito de compreensão… mesmo que boa parte nem eu conheça nem me conheçam, mas todos recebemos uma marca que reputo de boa, mesmo que pedindo desculpa ou perdão àqueles que se possam sentir mais magoados, melindrados ou escandalizam por isso…

* Desse tempo recordo quem nos educou – nalguns casos segundo métodos hoje considerados pouco pedagógicos – dando o que sabia, mesmo que fosse resultado dos traumas que lhes foram incutidos anos antes por outros destinados a serem prefeitos, embora nem sempre perfeitos…

* Fique, desde já claro, causa-me náuseas e repulsa essas insinuações sobre ‘abusos’, tão propalados nos tempos mais recentes. Será que não quer dizer nada que não tenhamos conhecimento público de acusações saídas da ‘nossa’ casa, que nos formou e formatou? Na minha memória nada está registado sobre o assunto… E como era exigente a formação religiosa e espiritual dos jesuítas – com o célebre Padre Fernando Leite à testa – que nos foram dados como ‘diretores espirituais’/confessores! Certamente homens santos e acrisolados…diante de Deus e na dureza da vida!

* Fomos, todos o sabemos e experimentamos, educados na contenção, na exigência, com parcos recursos (materiais e económicos) – afinal saímos quase todos de meios também eles algo indigentes – norteando o fazer pela qualidade do ser, despojados de todo o parecer, que as meditações diárias nos acrisolavam para maior virtude, sem disfarce e pela verdade.

* O aproveitamento escolar era fomentado como forma de afirmação, dentro e fora de portas. Muitos de vós vingastes na vida porque aprendestes a procurar atingir fins respeitando os meios. Quantos de vós, que sois, hoje, figuras reputadas na vida social e política, no campo laboral e intelectual, nos meios escolares e da afirmação universitária e que deveis ao Seminário Menor as vossas raízes.

* Tenho pena que, nas paróquias e na vida eclesial, não vos sintamos – digo por mim – tão presentes e ativos como seria desejável. Não vos censuro, mas tenho pena de perder a sintonia de onda – aqui como noutras paragens – que podíamos cultivar e viver…ao menos como forma de diálogo e, porque não, como confronto de ideias para a purificação dos ideais…

* Há quem considere que a passagem pelo Seminário quase imprime caráter, isto é, deixa marcas nem sempre fáceis de disfarçar. O tempo pode ter sido pouco, mas o sinal ficou…Por vezes, há quem destoe desta boa impressão e como que contradiga o tempo de ter andado no Seminário, mas a semente foi lançada…mais tarde ou mais cedo frutificará.

* Por ocasião deste centenário do nosso Seminário Menor, considero um por-maior podermos revisitar os lugares, sentir a memória e guardar no compromisso tudo quanto nos foi dado viver, de entre os melhores aspetos, a fraternidade – camaradagem seria o termo mais correto, pois vivemos tantos na mesma camarata – que se prolonga pela vida fora. Para o bem ou para o mal, a expressão – ‘no tempo do seminário já era assim’ – continua a fazer caminho, sejamos ou não padres.



= Deixo este meu testemunho, na esperança – o órgão de comunicação do Seminário Menor é ‘voz da esperança’ – de sermos dignos continuadores dos milhares de antecessores e de outros tantos sucessores. Neste ano jubilar da Esperança, assim continuemos a semeá-la com simplicidade e verdade.



António Sílvio Couto

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