Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Num processo de neo-paganismo?


Como que por rápida difusão temos visto, em vários locais, do nosso país – com uma maior incidência no norte – a proliferação de manifestações pré-cristãs, seja através de festivais de música, seja na vertente etnográfica e mesmo pelo recurso a temas e a propostas que, na sua maior parte, nos levam a recuar aos tempos antes do cristianismo: celta, romanos ou até pagãos de cultura popular, rural e quase pré-crítica na dimensão civilizacional.

Aliás, não deixa de ser revelador duma certa mentalidade cultural em que nos por agora movemos, podemos perceber que até há autoridades autárquicas que participam nos desfiles... contrapondo a aceitação das gentes as festas de índole religiosa... Veja-se o festival romano, em Braga, versus o São João... no desenrolar deste ano! 

Diante destes indícios ‘culturais’ sentimos e partilhamos algumas interrogações: Qual a razão desta (quase) contraposição entre festas com algum verniz religioso cristão e outras ‘festividades’ que retomam certos ídolos ancestrais? Qual a explicação para que se verifique uma tão grande adesão popular aos ditos festivais, desfiles e cortejos – decepção da religião cristã ou revivescência de mitos não resolvidos? Porque motivo as autoridades se prontificam a estar presentes em tais manifestações misturando, inclusive, a participação com outras de teor cristão/católico, será confusão, oportunismo ou falta de bom senso? 

Citamos a título de ilustração da doutrina do magistério sobre esta matéria uma passagem da recente carta encíclica do Papa Francisco, Lumen fidei, n.º 38: «A transmissão da fé, que brilha para as pessoas de todos os lugares, passa também através do eixo do tempo, de geração em geração. Dado que a fé nasce de um encontro que acontece na história e ilumina o nosso caminho no tempo, a mesma deve ser transmitida ao longo dos séculos. É através desta cadeia ininterrupta de testemunhos que nos chega o rosto de Jesus. Como é possível isto? Como se pode estar seguro de beber no ‘verdadeiro Jesus’ através dos séculos? Se o homem fosse um indivíduo isolado, se quiséssemos partir apenas do ‘eu’ individual, que pretende  encontrar em si mesmo a firmeza do seu conhecimento, tal certeza seria impossível; não posso, por mim mesmo, ver aquilo que aconteceu numa época distante de mim (...). A própria linguagem, as palavras com que interpretamos a nossa vida e a realidade inteira chegam-nos através de outros, conservadas na memória viva de outros; o conhecimento de nós mesmos só é possível quando participamos duma memória ampla. O mesmo acontece com a fé, que leva à plenitude o modo humano de entender: o passado da fé, aquele ato de amor de Jesus que gerou no mundo uma vida nova, chega até nós na memória de outros, das testemunhas, guardado vivo naquele sujeito único de memória que é a Igreja; esta é uma Mãe que nos ensina a linguagem da fé (...). O Amor, que é o Espírito e que habita na Igreja, mantém unidos entre si todos os tempos e faz-nos contemporâneos de Jesus, tornando-se assim o guia do nosso caminho na fé».
Diante daqueles episódios de revivalismo de teor pagão e da fé cristã feita testemunho de vida como que podemos e devemos questionar:

- A capacidade de (não) evangelização actual e dum passado recente, pois ao emergirem certos fenómenos tão populistas como que são denunciados os mentores e os destinatários.. onde se verifica mais uma adaptação de verniz do que uma conversão de fundo, tanto ao nível pessoal como dimensão social.

- A confusão (quase) acrítica de recuperação de certos ritos ancestrais denuncia que há facetas de acomodação que não foram atingidos verdadeiramente pela mensagem do evangelho... Bastará recordar as obras de São Martinho de Dume ou as iniciativas do Beato Frei Bartolomeu dos Mártires para percebermos que estamos – ainda hoje – tão longe do cerne da vivência cristã.

- A erupção  mais ou menos concertada destes festivais, desfiles ou  cortejos não denunciará um plano mais subterrâneo de desacreditação da fé cristã – mesmo que não assumida, embora estimulada – mas que pretende gerar outros valores de natureza epicurista, hedonista e materialista contra a fé cristã, os seus valores mais simples e as propostas mais sérias, sensatas e ousadas?  

 
António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com

Sem comentários:

Enviar um comentário