Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 2 de abril de 2025

Imbecis à solta…

 


Decorridos vinte e cinco anos sobre a primeira edição do ‘BB’ somos confrontados com dúzias e dúzias de imbecis lançados ao conhecimento público, sem contarmos com outros tantos programas afins que foram promovendo muitos mais imbecilizados sem rota nem designação. Efetivamente, alguns canais televisivos foram pioneiros em fazer de desconhecidos ‘figuras’ da vida social, ao menos dentro de uma certa bolha mais ou menos fútil e acrítica. À média de vinte concorrentes por programa, já foram lançados pelo BB cerca de quinhentos figurões, a maior parte do anonimato para a ribalta…

1. Se atendermos a outros pseudo-programas de entretenimento no mesmo canal quase um milhar de pretendentes a desconhecidos, tornaram-se uma espécie de imbecis à procura de fama e da captação de algum dinheiro para viverem na preguiça como profissão. Com efeito, o prémio do programa atual ascende a cem mil euros, fascinando os mais incautos e/ou pretendentes a serem ‘heróis’ por uns breves segundos. Por seu turno, os apresentadores – têm sido figuras da estação em causa – enquadram-se perfeitamente na futilidade do programa, desde longa data.

2. O que faz correr tanta gente para este tipo de programas? Se no princípio se poderia justificar a ignorância sobre o modelo, agora percebe-se um tanto melhor por onde andam os critérios, os valores e mesmo a moral-ética. Por que expõem as pessoas a sua vida, por um punhado de euros ou por precisarem de sair da turba, destacando-se pelas piores razões? De facto, muitas das pessoas que concorreram ao BB e sequazes deixaram de ter vida privada, mesmo pelas causas mais banais e quase ridículas. As várias tentativas de explorar o escândalo – mesmo ou essencialmente no âmbito sexual – foram notadas, com emparelhamentos e casórios a posteriori. Poucos vingaram com honestidade, simplicidade e verdade…

3. Estes vinte e cinco anos da nossa História foram assinalados com muitas mudanças, acompanhadas com a difusão de certos meios de intromissão na vida de todos e acerca de tudo: as ditas redes sociais, com os pretensos influencers e adstritos, as campanhas de denúncia anónima em quase todos os campos da ‘nossa’ vida social e privada, a banalização do relacionamento entre as pessoas (desde o mais sério ao menos comprometedor), a saída do armário de certos comportamentos (os programas foram disso reflexo contencioso), as conflitualidades rácicas e de xenofobia, a exaltação do eu sobre o nós (como consequência da crise do covid-19), a polarização ideológica entre os extremos…foram alguns dos fatores de mudança e, na maior parte dos casos, de confusão e até de convulsão.

4. O equilíbrio entre a vida privada e a exposição às questões públicas sempre foi algo sensível e nem sempre de boa gestão. Que dizer e/ou mostrar? Como dar a conhecer e não permitir a invasão da privacidade? Qual a barreira entre o resguardo da vida privada e a aceitação da exposição pública? Onde está o bom senso e a vulgaridade? Não andaremos a substimar o que é específico para embarcar naquilo que parece excecional? Na confluência entre o que se pode mostrar e o que se deve poder ver, não andaremos a inverter as prioridades mais simples e básicas?

5. Mesmo que pareça um tema algo anacrónico para alguns, o pudor deve ser cultivado, vivido e incentivado com responsabilidade mínima e suficiente. Com se define, então, o pudor?

«O pudor protege o mistério da pessoa e do seu amor. Convida à paciência e à moderação na relação amorosa e exige que se cumpram as condições do dom e do compromisso definitivo do homem e da mulher entre si. O pudor é modéstia. Inspira a escolha do vestuário, mantém o silêncio ou o recato onde se adivinha o perigo duma curiosidade malsã. O pudor é discrição» (Catecismo da Igreja Católica n.º 2522).

6. Todas estas questões não serão reflexo da falta de educação e de vivência do correto sentido do pudor?





António Sílvio Couto

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domingo, 30 de março de 2025

Kit de emergência europeu

 

Num conjunto de diretivas apresentado, em Bruxelas, por estes dias, a Comissão Europeia propõe trinta ações-chave para os governos e os cidadãos da União Europeia estarem preparados para enfrentar eventuais guerras armadas, ciberataques, pandemias e os efeitos extremos da crise climática.

Entre as orientações da "Estratégia de preparação da União" conta-se a proposta de que cada agregado familiar disponha de um kit com água potável (seis garrafas por pessoa), alimentos não perecíveis (como conservas em lata, arroz e massa), lanternas e pilhas; rádio analógico a pilhas; e um kit completo de primeiros socorros... para aguentar 72 horas sem ajuda externa no caso de “incidentes e crises intersetoriais de grande escala, incluindo a possibilidade de agressão armada, que afetem um ou mais Estados-membros”.

= Para alguns entendidos este conjunto de orientações pareceu algo alarmista, enquanto outros, ainda digerindo a surpresa, se foram perguntando sobre o significado mais abrangente destas medidas. Nas dezassete páginas da ‘Estratégia’ consideram-se como fatores agravantes: as tensões geopolíticas, no contexto de uma nova corrida ao rearmamento face à Rússia e a aparente aproximação dos EUA ao Kremlin...

= Esta nova forma de entender as coisas e de as enfrentar, traz-nos à lembrança dos cerca de oitenta anos em que a Europa no seu todo, com algumas exceções viveu em paz. Como se explica esta ‘longa paz’ na Europa?
De facto, para os europeus, a guerra tem sido tema recorrente da sua existência coletiva. A paz, essa, ao invés, tem sido infelizmente a verdadeira exceção. A Europa do após-Segunda Guerra Mundial apresenta dois grandes momentos: de 1945-1989, procurou-se construir a paz... sem esquecer a dira ‘guerra fria’ entre o Ocidente o Leste da Europa; de 1989-2022, aproveitou-se para viver e desfrutar da paz.
Bruscamente, em 2022, a Europa acordou novamente para o fim dessa paz que, afinal, era tudo menos perpétua, iniciando-se um momento intranquilo em que nos encontramos. Com exceção de alguns conflitos localizados que resultaram da independência de novos Estados após o colapso da União Soviética, nestas quase oito décadas não houve guerra na Europa.
Em 2012, a União Europeia recebeu mesmo o Prémio Nobel da Paz por uma decisão unânime do Comité Norueguês do Nobel., pois durante mais de seis décadas contribuiu para o avanço da paz e da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa. Os principais fatores citados como razões para esta ‘longa paz’ incluíram o efeito dissuasor das armas nucleares, os incentivos económicos à cooperação causados pela globalização e pelo comércio internacional, o aumento mundial do número de democracias, os esforços do Banco Mundial na redução da pobreza, e os efeitos do empoderamento das mulheres e da manutenção da paz pelas Nações Unidas.
No entanto, nenhum fator é uma explicação suficiente por si só e, portanto, são prováveis fatores adicionais ou combinados. Outras explicações propostas incluíram a proliferação do reconhecimento dos direitos humanos, o aumento da educação e da qualidade de vida, mudanças na forma como as pessoas encaram os conflitos (como a presunção de que as guerras de agressão são injustificadas), o sucesso da ação não violenta, e fatores demográficos, como a redução das taxas de natalidade.

= Chegados a esta etapa da História da Humanidade, vemos, na Europa, sinais algo preocupantes para o nosso futuro coletivo: sem dramatismo nem despreocupação, precisamos de saber interpretar ‘os sinais dos tempos’ - essa feliz expressão do Concílio Vaticano II, na Constituição pastoral ‘Gaudium et spes’ sobre a Igreja no mundo atual, n.º 4 - por entre as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e mulheres de hoje, como os de ontem e, possivelmente, os de amanhã.
Não será que este kit revela mais do que seria desejável?



António Sílvio Couto

quinta-feira, 27 de março de 2025

Militantes dos partidos políticos portugueses

 

Agora que caminhamos mais uma vez para eleições – estas legislativas são as décimas oitavas desde abril de 1975 – pode ser útil sabermos qual o número de militantes dos partidos políticos portugueses. Indicamos a cifra de cada um e, entre parêntesis, o ano mais ou menos atualizado destes dados: PS – 74.073 (2021); PSD – 102.613 (2014); CDS – 33.490 (2014); PCP – 60.484 (2012); BE – 9.264 (2014); CH – 40.000 (2021); PAN – 2.724 (2023); Livre – 1.900 (2024); IL – 7.258 (2024)...

1. No quadro destes dados podemos perceber que há partidos mais antigos, considerados como os fundadores da ‘democracia’ e outros mais recentes, quase sempre dissidentes ideológicos daqueles matriciais. Foi sobretudo já neste século XXI que emergiram algumas forças para cativarem alguns dos desiludidos e/ou necessitados do seu protagonismo: alguns tanto cresceram como minguaram ao sabor dos intentos e das circunstâncias sócio-económicas. Num pretenso enquadramento ideológico, poderemos considerar estes partidos entre direita e esquerda, numa alusão ao papel do Estado e da economia... subdividindo-os ainda segundo ‘famílias’ no espetro europeu em sete agremiações, a saber: Partido Popular Europeu, Aliança de socialistas e progressistas, liberais, verdes, conservadores e reformistas, identidade e democracia (extrema direita) e esquerda unitária. Os partidos políticos portugueses, no contexto europeu, encaixam-se nestas subdivisões e tentam sobressair…

2. Para além desta organização ideológica e partidária mais visível há ainda os simpatizantes e os votantes, que ciclicamente exprimem a sua opinião, quando chamados a exercê-la pelo voto. Temos, então, que muitos daqueles que suportam os partidos com a sua militância são os fazedores das tendências, das subjugações pretenciosas e, duma forma especial, conseguem auferir para os partidos a tal subvenção, isto é, quanto recebe cada partido pelo voto que lhe foi dado nas eleições.

3. O que é e como funciona a subvenção? A subvenção pública do Estado aos partidos é um valor pago anualmente, garantido aos partidos que tiveram mais de 50 mil votos para financiar a atividade política e partidária. Este montante proporcional aos números de votantes é pago mesmo que os partidos em questão não tenham elegido deputados para o Parlamento… Cada voto vale 3,87 euros! A esta subvenção deve acrescentar-se também uma outra que consta da comparticipação nas despesas, ou parte das despesas, que cada partido teve com a campanha eleitoral nos últimos seis meses anteriores às legislativas… como vê os gastos são muitos, embora os proveitos deixem muitas vezes algo a desejar!

4. Atendendo a que é através das eleições e concretamente com a colaboração dos partidos políticos que se forma a vontade popular, pelo voto, e sabendo da diminuição da qualidade daqueles/as que se apresentam ao sufrágio, será urgente que se faça uma reflexão sobre o modo de exercer a votação e ainda que se encontrem formas de não desperdiçar votos, atrofiando a representatividade das populações e das suas opções mais diversas. Desde logo é importante introduzir o voto obrigatório, pois não pode ser tratado da mesma forma quem se pronuncia ou quem não vota. A estes deveriam ser aplicadas medidas que coartem, progressivamente, algumas das regalias sociais e/ou de certos ‘direitos’ de índole cívica. Quanto ao não-desperdício dos votos será de encontrar círculos uninominais nacionais que vinculem eleitos e eleitores…

5. Mesmo que tenham vegetado, nos tempos mais recentes, por desilusão para com os partidos alguns dos pretensos independentes – como dissidentes ou com outras intenções mais camufladas – devemos criar condições para que a participação na vida política seja mais do que um direito, mas uma obrigação ético-moral. Saber estar e esclarecer-se é algo que não pode ser deixado para quem se faça passar por desinteressado, pois as decisões dos políticos (razoáveis ou péssimos) afetam tudo e todos.

6. Não será preciso ser militante de qualquer partido para ter uma escolha clara, esclarecida e amadurecida.



António Sílvio Couto

terça-feira, 25 de março de 2025

Se queres que te levem a sério, leva a sério os outros

Apesar de tudo dá a impressão que há muitas pessoas que tentam levar a vida mais ou menos a brincar e, por isso, correm o risco de não serem levadas a sério porque também não levam os outros, suficientemente, a sério. Isto não é nem de longe um convite à sisudez de vida, mas antes uma proposta a que haja alguma reciprocidade entre todos: se queres que te levem a sério, leva também tudo os outros a sério, com credibilidade, com ponderação e dando-lhes crédito para que to deem a ti.

1. Em diversos campos de atividade humana, como por exemplo na disputa político-partidária, podemos encontrar quem viva com ligeireza e sem o mínimo de parecer que leva os ouros a sério: quantas vezes, o que vale para uns não tem idêntica valorização para outros, embora a pauta de avaliação seja a mesma. As recentes eleições regionais na Madeira, para uns não significam o mesmo que para outros, só porque os resultados lhes foram desfavoráveis, segundo as expetativas… por seu turno, quem venceu corre o risco de extrapolar desejos para outras refregas ainda não realizadas…

2. No ramo da atividade económica – tanto empresarial como comercial – nalgumas situações deixa um tanto a desejar a seriedade como certos intervenientes ligam com os concorrentes. Por vezes, será preciso brilhar pela qualidade para que todos venham a ganhar e não se gere descrédito quando resvala para a acreditação dos produtos e dos custos. Nem sempre parece ser sério o nível de alguns dos nossos exportadores e isso poderá valer a quebra nas vendas e na afirmação de todos.

3. Estamos num mundo globalizado e com excesso de informação acerca de tudo e para com todos, por isso, bastará um mero deslize de poucos para que se crie a desacreditação de todos. Dá a impressão de que, nunca como agora, uma árvore de má (ou menos boa) qualidade infeta toda a floresta. Bastará que um determinado profissional seja incompetente ou que não seja tão sério como era expetável que fosse para todos dessa mesma classe (profissional ou social) sejam nivelados pelo transgressor… professores, advogados, engenheiros, padres, autarcas, políticos, futebolistas… se um não corresponder ao que se deseja, todos são, desgraçadamente, iguais no erro, mesmo que nada disso os tenha atingido!

4. Mais uma vez e neste contexto me vem à lembrança a ‘alegoria’ das árvores que quiseram escolher um rei. Eis o texto:

«As árvores puseram-se a caminho para ungirem um rei para si próprias. Disseram, então, à oliveira: 'Reina sobre nós.' Disse-lhes a oliveira: 'Irei eu renunciar ao meu óleo, com que se honram os deuses e os homens, para me agitar por cima das árvores?' As árvores disseram, depois, à figueira: 'Vem tu, então, reinar sobre nós.' Disse-lhes a figueira: 'Irei eu renunciar à minha doçura e aos meus bons frutos, para me agitar sobre as árvores?' Disseram, então, as árvores à videira: 'Vem tu reinar sobre nós.' Disse-lhes a videira: 'Irei eu renunciar ao meu mosto, que alegra os deuses e os homens, para me agitar sobre as árvores?' Então, todas as árvores disseram ao espinheiro: 'Vem tu, reina tu sobre nós.' Disse o espinheiro às árvores: 'Se é de boa mente que me ungis rei sobre vós, vinde, abrigai-vos à minha sombra; mas, se não é assim, sairá do espinheiro um fogo que há-de devorar os cedros do Líbano!'» (Jz 9,8-15).

5. Quantos pequenos ‘reizinhos’ deambulam pelas nossas ruas, considerando os outros menos do que eles. Quantos desses ‘reizinhos’ ascendem ao poder e ai de quem os contrarie ou hostilize? Quantos desses ‘reizinhos’ se melindram porque os outros não os adulam nem consideram importantes como eles se acham. Quantos desses ‘reizinhos’ nunca deverão poder mandar, pois serão déspotas sem compaixão nem arrependimento…

6. Considero os outros acima ou abaixo de mim? Mas eu não sou o fiel da balança, nunca!



António Sílvio Couto

quarta-feira, 19 de março de 2025

Aberrações de Trump

 

As imagens transmitidas pela televisão horrorizam qualquer ser humano mais básico: pessoas a serem transportadas pior do que gado para aviões, aplicando-lhes processos de vexame ao raparem-lhes o cabelo, amarrados com correntes, vestidos em uniforme e empurrados de modo abjeto. Por muito pouco que se possa concordar com o atual presidente dos EUA estas imagens corroem a indignidade, são mesmo aberrações da condição humana mais elementar. Independentemente do historial daquelas pessoas – dizem que podem ser criminosos perigosos, mas também meros imigrantes ilegais – nada justifica tal tratamento tão desumano.

1. Uns tentam fazer crer que aquilo é para consumo interno e fazendo parte do plano pré-eleitoral de expulsão dos milhões de imigrantes (ditos) ilegais. Outros consideram exagerado por parte de quem difunde tais castigos e consideram-nos atropelos à boa convivência social dos simpatizantes do agora ‘senhor da américa’. Outros ainda como que fazem entender a forma como aquele eleito presidente quer tratar tudo e todos, desde que lhe façam frente ou discordem dos seus intentos… Dá a impressão que está a crescer a ilegalidade das expulsões a efetuar, por estes dias, na medida em que se estará a verificar uma execução do processo de pessoas fora da cobertura da justiça, senão mesmo ao arrepio desta.

2. Por muito mau que possa ser um ser humano, não há direito de o aviltar ou ofender ainda mais na sua ferida dignidade. Quando descermos a esse estado de coisas, correremos o risco de confundir os papéis de quem quer cumprir o que prometeu, mas não tem meios nem força moral para o executar. Dá a impressão que se meteu tudo no mesmo saco – ilegais e criminosos, trabalhadores necessários para as tarefas da economia e possíveis marginais… Com tanta sanha persecutória corre-se o risco de cometer barbaridades, aberrações e de fomentar nova criminalidade, agora sob a tutela do estado.

3. Enquanto cristão sinto vergonha de que haja pessoas naquele processo que se afirmem cristãos e alguns se apelidam de católicos praticantes. Desde a primeira hora, o Papa Francisco tem denunciado e contestado aquele método de querer conduzir um país, que, afinal, se alguma coisa é ou significa, foram os mais variados emigrantes que o fizeram e o sustentam. Certas ideias já fizeram muito mal à Humanidade, com milhões de vítimas ao longo do século XX: as duas guerras mundiais, as perseguições coletivistas de pendor marxista, as lutas tribais no continente africano, as guerrilhas latino-americanas… tudo deixou um rasto de morte e de ofensa à dignidade da pessoa humana, tenha a condição ou a configuração que possa apresentar.

4. Lemos num dos evangelhos dominicais desta quaresma (Lc 13,1-9):
«Disse então ao vinhateiro: ‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontro. Deves cortá-la. Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’
Mas o vinhateiro respondeu-lhe: ‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar frutos. Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».
A maior conversão à dignificação da pessoa. A maior urgência está em levarmos a sério os avisos de Deus. O melhor resultado está em sermos, uns para os outros, sinais e presença divinizada em gestos, palavras e atitudes.
De facto, Deus espera de cada um de nós frutos que condigam com as graças, dons, possibilidades e bênçãos recebidos. Será que tenho correspondido a tudo isso que Deus me concedeu? Por que me custa tanto a deixar-me converter? Tenho sabido corresponder àquilo que Deus me dá ou desbarato tudo isso de forma ingrata?


5. Os episódios do outro lado do Atlântico fazem-nos refletir sobre a vulnerabilidade da pessoa humana, tanto de quem governa como de quem é governado: todos somos humanos e merecemos respeito, particularmente quando estamos em situação de fragilidade… e os imigrantes, refugiados e perseguidos são disso claro sinal. Hoje são eles, amanhã podemos ser nós!


António Sílvio Couto

segunda-feira, 17 de março de 2025

Eleições: a melhor saída sem solução?

Na vertigem dos acontecimentos – políticos, sociais e partidários – somos chamados a votar no próximo dia 18 de maio. Resultado da queda do governo, por derrota de uma moção de confiança apresentada pelo mesmo, depois de duas anteriores moções de censura derrotadas consequentemente. Quase todos clamavam por não haver eleições, mas os dados foram sendo afunilados para este resultado, que podem tanto ser uma saída como não trazem nenhuma solução para o país, sobretudo, para os concorrentes…

1. Como consequência da exposição pública da vida privada do chefe do governo, fomos sendo atirados para leituras, manipulações e desenlaces que só podiam cair em desfazer os nós de tantas questiúnculas arregimentadas. Poderá um qualquer cidadão com passado nos seus ‘negócios’ sem que isso possa interferir nas decisões governativas, se um dia for chamado a tal? A vida privada de alguém tem de ser esmiuçada até ao tutano se for melhor sucedido do que os adversários? Não valerá mais viver à sombra da preguiça – onde os subsídios compram quem pouco ou nada produz – do que arriscar em construir algo que dê segurança aos familiares diretos? Criado este precedente certamente muitos arrepiarão caminho em aceitarem ir para a vida pública e, muito em breve, teremos quem não presta e pouco vale nos lugares de comando, dado que serão controlados por outros que não dão a cara…

2. Que jeito tinha continuar a haver um governo em funções, se este estaria em contínua e provocante escrutínio de uma tal ‘comissão parlamentar de inquérito’ (CPI), lançando suspeitas e diatribes sobre quem, embora, governasse, estava a ser controlado por forças exteriores ao seu programa? Deste modo saber e aferir da aceitação dos membros do parlamento era o único caminho sem becos nem vielas! Quase todos queriam que não houvesse eleições – fomos chamados a votar três vezes em menos de dois anos – e a lama de todos contra todos seria a derradeira vivência até que tudo se afundasse.

3. Será que ir a votos significa só um plebiscito ao chefe do governo novamente candidato? Os adversários serão capazes de fazer campanha sem não voltarem ao tema, que, para mal ou para bem, vai ser matéria de juízo na hora da escolha de cada votante? Haverá tempo para criar distanciamento entre o que aconteceu entre meados de fevereiro e meados de março, potenciando quem faça melhor e/ou apresente algo alternativo ao que estava a ser feito, criticado ou proposto?

4. Nesta avalanche de acontecimentos fomos percebendo que a comunicação social – nos seus diversos itens – não é capaz de fazer a sua função sem ser tendenciosa, desrespeitosa para com a dignidade das pessoas e, sobretudo, ideológica sem ideologia. De muitas e variadas formas vemos que as pessoas só valem se tiverem nódoas, senão verdadeiras, ao menos presumidas. Com que facilidade se desonra quem quer que seja e quase nunca se repõe a verdade, quando o que foi motivo de notícia, se confirmou ser mentira (total ou parcial). A pretensa ‘liberdade de informação’ trucida quem não seja da mesma tendência dos promotores das notícias. Ao referir ‘tendência’ se coloca o adjetivo ‘ética’ e logo a conversa caminha para a desconfiança, sobretudo se a dita ’ética’ for ‘republicana’, onde a lei é sagrada, mesmo que tenha sido construída na base da razoável desvalorização da pessoa humana no seu todo.

5. Cada vez mais estamos todos na linha de tiro de quem não seja ou não sirva as mesmas pretensões dos promotores da maioria do pensamento dominante. Os valores e critérios de boa parte da nossa população estão sob o controle de uma visão ‘do-sem-Deus’, pois deste modo se pode dizer tudo e o seu contrário sem entrar em contradição. E o pior de tudo é que os (ditos) cristãos não destoam deste ambiente anódino, agnóstico e consumista. Num tempo de ética à la carte poucas são as vozes que destoam neste deserto de ideias e muito menos são aqueles se pronunciam pela denúncia e no compromisso dos valores humanistas da verdade, da honestidade e da lealdade…



António Sílvio Couto

sexta-feira, 14 de março de 2025

Matraquilhos da política

 

Recordo que uma das reprimendas que nos eram dadas quando jogavamos matraquilhos consistia em não ser permitido rodar os bonecos por forma a tentar marcar golo a grande velocidade… isso podia fraturar algum boneco ou a bola podia espirrar para fora da área de jogo… Nessa época os bonecos eram pintados com as cores dos rivais de Lisboa, depois foi sendo introduzida a hipótese do outro grande do Norte, mas a luta era sempre a mesma: ganhar naquele campo fictício das animosidades arrolhadas…já seria uma vitória, mesmo que pírrica. Daquilo que segui nos debates mais recentes – houve três em menos de um mês – no parlamento fez-me recordar os jogos de matraquilhos, só que estes, hoje, têm nomes e fazem pior figura do que os bonecos…

1. Quando a vida política se reduz a escarafunchar a vida dos intervenientes, algo vai mal nesta sociedade…em colapso. Quando se valoriza quem nada faz em detrimento de quem ousou investir e criar riqueza, algo está apodrecido e já fase avançada…como dizia alguém: já fede! Quando se converte a ação politica numa resfrega de incompetências (pessoais, profissionais e sociais), algo já cheira mal de podre, mesmo que os que lhe mexem pareçam sentir um certo prazer mórbido e pestilento. Quando se orquestra toda uma leitura de factos, partindo de preconceitos, ressabiamentos e interesses pessoais camuflados de boas intenções, já batemos no fundo e vai ser complicado sair de lá sem ficarem manchas para o futuro em todos.

2. Isto e muito mais podemos ver – há quem tente discerner para além da espuma das notícias e dos episódios degradantes – nos tempos mais recentes no nosso país. Só que a doença está a espalhar-se como uma epidemia bem mais grave do que a covid-19… que nos assolou dramaticamente há cerca de cinco anos. Neste como noutros tempos e campos de atividade a ‘paixão’ pode toldar a capacidade de distinguir o essencial do secundário, podendo corer o risco de fazer deste o sujeito daquele: urge ter inteligência capaz de submeter as sensações ao controlo. Seja qual for a atividade em curso precisa de ser muito bem analisada e isto é ação da mente sobre a emotividade…sobretudo de quem tem de decidir em função dos outros, isto é, daqueles a quem deve servir.

3. As posições antagónicas vão dirimir-se em respostas no confronto das eleições já convocadas para 18 de maio e para que não possam continuar a estar centradas nas questiúnculas de caráter, mas nas propostas de solução para o país e não para certas bolhas mediáticas. Mesmo que boa parte dos interessados não quisesse a submissão ao voto popular, esta será a mais adequada forma de ajuizar (julgar, decidir e avançar) tudo e todos. Mesmo que o desenvolvimento das questões pudesse ser outro, seria de muito grave solução ter quem governa a ser ‘queimado em lume brando’ até ser esturricado na grelha dos interesses alheios… É verdade que alguns não mecerecem confiança pela simples razão de que não têm estofo para ultrapassarem o desdém com qualidade minima, tanto atual como futura. Nota-se um verdadeiro deserto de compromisso para além da maledicência e contumaz arrogância. Se eu fosse a um lugar de vendas – eletrodomésticos ou de carros, passando pela aquisição de casa ou pelo investimento das minhas parcas economias – não confiava na argumentação de certos vendedores ou propagandistas de feira… à antiga.

4. Abjuro a proclamação recorrente de que estas são as eleições mais importantes de sempre. Isso seria confinar-se a que, no presente e para o futuro não aprendemos nada, nem sequer com os erros… e são tantos! Este argumento dramático funciona para aqueles que, na maior parte das vezes, aliam ignorância com oportunismo: nada é irreversível. Quem já tenha assistido e vivido outros momentos da nossa história coletiva compreenderá a situação importante, mas nunca tal dramaticidade que seja o fim…Não creio na teoria do retorno, mas há coisas que a ‘teologia da história’ ensina que sempre Deus cuida, assim nos deixemos cuidar e nos submetamos verdadeiramente à sua condução.

5. Com destes matraqulhos em ação ninguém vai cantar vitória!



António Sílvio Couto