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quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Depois dos incêndios a chuva e no intervalo lucubrações


Este mês de setembro foi fértil em acontecimentos contraditórios: dias de fogos sufocantes, gerados pelas centenas de fogos florestais a norte do Coimbra e, parcos dias decorridos, avisos para o risco de inundações. Deixo a título de exemplo duas mensagens (via sms) da ANEPC: quanto à onda de calor originada pelos incêndios, no dia 15 de setembro (domingo), às 10.14 horas; sobre chuva forte e persistente, com vento forte e risco de inundações, no dia 24 de setembro (3.ª feira), às 18.09 horas. Isto é, no espaço de dez dias fomos avisados para situações antagónicas no nosso tecido coletivo: prevenir antes do que remediar.

1. Sejam quais forem as causas aduzidas da vaga de incêndios, encontrem-se ou não os causadores (num misto de culpados e de beneficiados), vejam-se as consequências (económicas, sociais ou políticas), teremos sempre neste tema das condições climatéricas – onde se enquadram os incêndios e as inundações – algo que exige mais reflexão do que capacidade acusatória.

Mesmo sem nos darmos conta estes assuntos – incêndios e risco de inundação – podem ser enquadrados nas temáticas sociais de âmbito global, pois tanto uns como outros atingem todos, todos somos, de alguma forma, culpáveis e todos sofremos as consequências diretas ou indiretas. Recordemos os fumos por ocasião dos incêndios florestais que antecederam as chuvas ou vejamos as enxurradas decorrentes das chuvadas mais intensas.

2. Como não recordar essa frase de um matemático, na década de sessenta do século passado, considerada a ‘teoria do caos’: o bater das asas de uma borboleta num extremo do globo terrestre, pode provocar uma tormenta no outro extremo no espaço de tempo de semanas. De facto, estes episódios mais recentes da Natureza trazem-nos este pensamento à lembrança e aquilo que já fez de muito caminho na consciencialização de intercomunhão com os humanos. Cada vez mais estamos atentos a que todos somos responsáveis pelo futuro da Natureza, também ela criada por Deus. Por onde andaram alguns setores sociais e religiosos, quando acontecem tragédias como as que vivemos recentemente?

. Por estes dias teve algo entre o bizarro e o ridículo, a resposta à convocação de ‘manifestações’ em treze locais diferentes do nosso país de contestação à onda de incêndios dos últimos tempos. Que dizer de escassas dezenas nas ditas ‘manifestações’? Foi o tema que não interessou ou foi a rejeição da manipulação de certas forças que se tentam aproveitar das desgraças alheias para saírem da lura esconsa? Não haverá muitos dos que protestam que nada fazem pela recuperação da floresta e só se limitam a gritar nas horas do drama? Os acontecimentos recentes não revelam que o país urbano se está a borrifar para o mundo rural? Certas lágrimas chocam quem conheça as reações dos arredores da (dita) ‘Lisboa e Vale do Tejo’, que faz-de-conta que os resto do país é mesmo paisagem nas horas de decidir e de investir nas autarquias…

4. Em jeito de provocação respigamos da carta encíclica ‘Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum do Papa Francisco (de 2015): «Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer? Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada, porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária. Quando nos interrogamos acerca do mundo que queremos deixar, referimo-nos sobretudo à sua orientação geral, ao seu sentido, aos seus valores. Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo, não creio que as nossas preocupações ecológicas possam alcançar efeitos importantes. Mas, se esta pergunta é posta com coragem, leva-nos inexoravelmente a outras questões muito directas: Com que finalidade passamos por este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra? Por isso, já não basta dizer que devemos preocupar-nos com as gerações futuras; exige-se ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo. Somos nós os primeiros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder. Trata-se de um drama para nós mesmos, porque isto chama em causa o significado da nossa passagem por esta terra» (n,º 160).



António Sílvio Couto

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