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quarta-feira, 9 de agosto de 2023

TODOS ao molho e fé em Deus?

Decorridos estes dias – quase uma semana – sobre a realização das ‘jornadas mundiais da juventude’ (JMJ), acontecidas em Portugal – primeiro nas dioceses e depois na concentração em Lisboa – emergem pistas de reflexão-interpelação-questionamento para crentes e não crentes (alguns de longa data, outros de conveniência e tantos outros acobardados pelas circunstâncias pessoais, sociais e grupais), num desfile de posições que alembram a tentativa de quase desculpa sobre tudo ter acontecido sem escândalos, sem atropelos e, sobretudo, em tempo democrático.

É sobre ao substantivo ‘todos’ que vamos dedicar primigénia atenção, colocando-o em letras capitais (maiúsculas), por forma a que não seja um abstrato, mas um imperativo moral, social e até cultural.

1. Antes de prosseguirmos seja o que for sobre a matéria ou o possível âmbito de reflexão, tentemos explicar esta frase (quase idiomática): ‘todos ao molho e fé em Deus’. Desde logo aqui usámos ‘todos’, embora na linguagem popular surja ‘tudo’. Dado que queremos incidir sobre as palavras – assaz repetidas do Papa – referimos, ‘todos’. A expressão surge, então, num contexto em que a confusão é tal que o melhor é unirem-se todos – o molho, feixe de varas unidas num mesmo propósito – sem deixar que haja desunião de uns contra os outros. Nalguma linguagem futebolística esta expressão – ‘todos ao molho e fé em Deus’ – é tentar conseguir algo de positivo, mesmo que a estratégia traçada tenha quase-colapsado…

2. Mas será que o Papa Francisco quis lançar uma espécie de ‘salve-se quem puder’ ao apelar aos ‘todos, todos, todos’, isto é, sem deixar ninguém de fora? Será que este grito, proferido em Lisboa, foi um incentivo à inclusão de situações fraturantes sócio morais? Quando se diz ‘todos’ não se estará a exagerar na abrangência, mesmo daqueles que rejeitam serem participantes? Neste, como noutros capítulos da vida, não se deve responder a perguntas que não foram feitas, mas só àquelas que foram formuladas…

3. Que as mais diversas manifestações das JMJ foram alimento de uma fé que parecia adormecida, isso é inegável: milhares de jovens lançaram chispas de alegria sobre a sociedade quase narcotizada em que vamos vivendo. A força de entusiasmo envolveu o nosso país e mesmo a Igreja católica portuguesa. Algo de contagioso percorreu as ruas e espaços de Lisboa e arredores. Para além da cordialidade e a educação foi bom de ver a simpatia de todos. Por momentos o ar crispado de tantos portugueses foi sublimado pela força de jovens de outras paragens. Dir-se-ia que precisávamos de uma injeção de esperança, ao menos, uma vez por ano e sairíamos do derrotismo em que quase nos comprazemos, desgraçadamente.

4. Se a frase – ‘todos ao molho e fé em Deus’ – poderia, numa visão extremista, induzir-nos numa interpretação de algo desconexo e quase feito em tempo reduzido, isso deverá ser compreendido, pelo contrário, como algo a que devemos dedicar tempo num aprofundamento sistemático e consequente na vida. Essa ‘fé em Deus’ é mais do que uma emotividade circunstancial com que alguns mais superficiais podem ser tentados a ler as ações e vivências dos jovens das JMJ. Com efeito, muitos deles davam a entender, pelas atitudes e posturas, que já andam nestas coisas da fé há bastante tempo. Se assim não fosse deste modo não se compreenderiam as reações serenas em horas e horas de espera e mesmo de caminhada… De muitas e variadas formas fomos percebendo que os jovens das JMJ são mais do que o tal slogan: juventude do Papa… são, sobretudo, de Cristo!

5. Deste modo se compreenderá que TODOS ultrapassa os chavões populistas com que alguns desejaram dar conteúdo às palavras de Francisco. Esses TODOS não servem só para enquadrar franjas, onde alguns querem colher os resultados, mas não se comprometem nas causas; pretendem acirrar os antagonistas, mas não se comprometem na resolução dos problemas… Não fazem parte do todo porque só querem a sua parte!



António Sílvio Couto

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