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quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Habitação: mais de somenos?

 

O tema da ‘habitação’ tornou-se, nos tempos mais recentes, num assunto fulcral da nossa vida coletiva: cada um a seu modo fala da questão, embora pareça, usando a linguagem das vindimas: mais parra do que uva! Isto é, temos vindo a assistir à radicalização quase-ideológica do assunto, por vezes, mais escondendo do que querendo apresentar soluções que não sejam para um passado pouco abonatório da seriedade dos intervenientes…

1. Recordo que, há não muito tempo, uns dos itens de apresentação de uma pessoa a outros constava do seguinte: quem é (nome), morada (local de habitação) e o que faz (profissão). Se atendermos a que a categoria profissional tem vindo a mudar em conformidade com as possibilidades mais do que atendendo às habilitações, fica-nos o questionamento sobre a definição das influências na pessoa do lugar onde mora habitualmente… É quase inconcebível considerar que uma pessoa nasceu, cresceu e morreu sempre na mesma casa. A mudança de habitação é, hoje, algo vulgar, senão mesmo necessário…No entanto, deveremos falar sempre de uma habitação digna e dignificadora das pessoas que nela moram…

2. Será que o Estado deve arranjar – quase como obrigação moral abstrata e universal – casa para todos? Não será demasiado estatizante uma visão em que o senhorio seja – quase exclusivamente – o Estado-patrão? Como conciliar iniciativa privada e intervenção governamental neste tema da habitação? Serão tão inconciliáveis, habitação social e habitação própria? Não haverá uma certa diabolização, neste como noutros setores, entre a ação estatal e a iniciativa privada? Não seria mais avisado encontrar linhas de conciliação do que andarmos nesta dialética nefasta e inconsequente? Certas reações do governo às críticas – tanto do PR como das oposições – quanto às suas propostas não deixam a nu alguns tiques de totalitarismo à antiga?

3. Desde março deste ano que o governo tem desenvolvido – com pompa e várias circunstâncias – legislação para o setor da habitação. No passado mês de julho foi aprovado o diploma no parlamento. Por estes dias o Presidente vetou o pretendido. Eis as razões apresentadas: «nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas - públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral».

Apesar de um amplo consenso nas observações, o partido que suporta o governo promete re-aprovar o texto, sem rebuscos nem emendas…Quando a razão não tem força, é usada a força sem razão! Na hora própria se dará o julgamento… Estando perante um assunto de capital importância não seria de bom senso procurar mais unanimidade, despojando de conotação ideológica um tema essencial para o conjunto da população?

4. O que diz o magistério da Igreja católica sobre a habitação, como direito fundamental e, por que não, fundacional da pessoa e da sociedade? Escreve o Papa Francisco: «A falta duma habitação digna ou adequada leva muitas vezes a adiar a formalização duma relação. É preciso lembrar que «a família tem direito a uma habitação condigna, apropriada para a vida familiar e proporcional ao número dos seus membros, num ambiente fisicamente sadio que proporcione os serviços básicos para a vida da família e da comunidade». Uma família e uma casa são duas realidades que se reclamam mutuamente. Este exemplo mostra que devemos insistir nos direitos da família, e não apenas nos direitos individuais. A família é um bem de que a sociedade não pode prescindir, mas precisa de ser protegida. (…) As famílias têm, entre outros direitos, o de «poder contar com uma adequada política familiar por parte das autoridades públicas no campo jurídico, económico, social e fiscal» (Exortação apostólica pós-sinodal ‘Amoris laetitia’ sobre o amor na família, nº 44).

Aprendamos a pensar e a viver sem teias nem peias, mas segundo os valores humanistas do Evangelho!



António Sílvio Couto

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