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segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Paranoia à volta da ‘proteção de dados’


Depois da insensatez do facebook algo tinha de ser feito para colocar bom senso na cabeça e no comportamento do povo. Não se podia continuar a dizer e mostrar tudo e o resto, da forma mais abjeta e desabrida com que se vinha a crescer na banalização das pessoas, a começar por cada um dos intervenientes. Quase tudo e todos estavam sob a alçada duma certa promiscuidade sem critérios, pois se foi descendo tão abaixo que já quase nada estava sob reserva ou condição…nem de si mesmo.

Perante tão aberrante espetáculo a que vínhamos a assistir, tinha de ser feito algo que pudesse continuar a fazer de cada pessoa alguém com dignidade e com reserva de mistério – seja no sentido cristão do termo, seja no conceito de defesa do que cada um é e precisa de ser cuidado. Mesmo que, uma boa parte das pessoas, não tenha tento nem discernimento daquilo que pode ou deve mostrar no estendal faceboquiano, será preciso criar condições para que não haja conflitos de interesses nem possam ficar impunes as prevaricações duns tantos sobre outros…

Neste sentido parece ganhar importância e nova significação o tal novo ‘regulamento geral de proteção de dados’, que entrou em vigor a 25 de maio passado. Embora possa parecer, num primeiro momento, quase um emaranhado de condicionantes, deverá ser interpretado, salutarmente, como uma salvaguarda legislativa europeia para os abusos e deformações de comportamento a que vínhamos a assistir… Dirá nosso povo na sua sabedoria: para grandes males, grandes remédios!

Há, no entanto, no processo de difusão, de explicação e de implementação deste regulamento algo que deixa um pouco a desejar sobre a capacidade, a inteligência e até a perspicácia dos nosso concidadãos, pois, em certa medida, parece que nos consideram quase mentecaptos quando está em causa muito da nossa identidade, da nossa salvaguarda de presença com os outros e até de defesa para com certos intrusos na nossa vida pessoal, familiar, associativa, cultural e social. Com efeito, certas regras agora propostas não passam de chamadas de atenção ao bom senso, em ordem a defender-nos dos abusos sobre a exposição da nossa vida privada com que estávamos a ser assediados pelas façanhas e tropelias do facebook: o cuidado para que não haja intromissões na captação, difusão ou exposição de assuntos que podem fragilizar ainda mais as pessoas, como são os assuntos de saúde, de opções religiosas ou de condicionantes para com cada pessoa naquilo que ela é e para com quem não tem nada a saber para além do estritamente necessário e na relação de funções ou solicitação de algum serviço específico, sobretudo se isso obriga a sigilo e/ou confidencialidade…

Nestes aspetos aduzidos nada há que possa ser mais importante do que a pessoa, pois, como referimos acima, o mistério de cada pessoa tem de ser salvaguardado sempre e, duma forma especial, quando estão em causa as crianças, os mais fragilizados ou vulneráveis da sociedade. Também ninguém pode tirar proveito dos conhecimentos que teve (ou tem) em razão do tipo de trabalho/profissão que exerce, pois isso poderia constituir abuso de confiança, senão mesmo de violação (clara ou presumida) da intimidade da pessoa.

Parece não subsistir qualquer dúvida de que, cada vez mais, temos de ser defendidos e nem a (dita) liberdade de informação poderá sobrepor-se a qualquer interesse dos meios policiais, fiscais, estatais ou mesmo de investigação. Com efeito, teremos de saber conjugar bem os modos de segurança e de liberdade, bem como as tentativas de pretender escarafunchar a vida alheia, sem regras nem critérios… À era do facebook tem de se impor a de proteção de dados com regras e limites…claros e assinalados na lei, igual para todos os cidadãos.

Breves questões:

- Com tantos cartões e informações dadas a torto-e-a-direito, que pretendíamos, descontos ou estarmos a facultar ingerência na vida das pessoas?

- Com tantos sinais de vulgarização da pessoa sobre si mesma e para com os outros, não tinha de chegar a hora da normalização das relações interpessoais e não na exploração do sensacionalismo?

- Com a criação duma certa impunidade em dizer tudo o que apetecia, não tínhamos de ser mais ponderados, rigorosos e sensatos naquilo que dizemos e mostramos, de nós e dos outros?

- Não estará a faltar a todos os intervenientes na ‘proteção de dados’, um certo rigor sem rigorismo à mistura com boa-fé e uma razoável dose de apreciação da nossa inteligência pessoal e coletiva?

 

António Sílvio Couto

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