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quarta-feira, 4 de julho de 2018

Do Mediterrâneo fatal aos refugiados ‘invasores’


Parece que nunca como agora o ‘mare nostrum’ se tornou um espaço tão perigoso e tão fatal, mais um espaço de morte do que passagem para vida, sepultura para muitos anseios e fronteira para tantos que, saindo de África e do médio Oriente, tentam encontrar na Europa um lugar de vida menos aflitiva e com outra visão para o futuro…pessoal e familiar.

Várias operações foram tentadas para vigiar, acolher e encaminhar a vaga de refugiados que, desde 2013, têm procurado a Europa do sul na ânsia duma vida melhor, com paz e algum sossego para tanta gente marcada pelo sofrimento, a perseguição – ética, religiosa e política – e mesmo a fome.

‘Refugiado’ é hoje um termo usado centenas de vezes por dia, tanto para falar de situações de pessoas, como para caraterizar certas posições políticas que podem servir de arma de arremesso para fações extremistas, sem esquecer as causas dessa vivência nos tempos atuais.

Em 2015, refugiado foi a ‘palavra do ano’, em Portugal. Temos o ‘dia mundial do refugiado’ a 20 de junho. Há, ao nível da ONU, uma agência e um alto-comissário. Haverá, tanto quanto é possível aferir, cerca de 70 milhões de refugiados, neste momento. Ouvimos notícias sobre barcos que acolhem refugiados e não sabem onde os podem descarregar – a palavra é dura, mas, na maior parte das vezes, é talvez a mais adequada – à mistura com posições racistas, xenófobas, esclavagistas, securitárias, ofensivas…desumanas.

Não esquecerei, possivelmente, para sempre, uma observação que fiz, creio que no ano de 2015, no decorrer duma festa onde se gastam rios de dinheiro com fogo-de-artifício, quando sugeria que se podia poupar o custo duma caixa de fogo, socorrendo algum refugiado… logo uma voz ripostou: temos tantos cá, precisamos é de cuidar dos nossos… Claro que não fez nada pelos ‘nossos’ e os outros continuam a parecer invasores da nossa quietude de país egoísta, interesseiro e insensível aos que sofrem…para além das vagas de solidariedade e a pedido-e-gosto! 

= Que explica mais profundamente essa razoável acomodação da Europa para com os refugiados? Sendo a maior parte dos países europeus resultado de vagas de refugiados, haverá algum complexo de culpa (ou de desculpa) para que isso não nos incomode? Para além do recurso aos migrantes, os refugiados não têm sido no passado (recente ou longínquo) uma fonte de renovação – social, demográfica e ética – da sociedade europeia? Não nos estará a faltar um pouco de humildade para contribuirmos mais para a humanização da sociedade, se mudarmos a nossa posição para com os refugiados, migrantes e itinerantes?

Nota-se claramente uma mudança de atitude, sobretudo dos europeus, para com os refugiados e os prófugos. Anteriormente esses fenómenos aconteciam em África, quando a instabilidade sócio/política fazia com que os derrotados tivessem de procurar outro lugar para viver e as lutas tribais faziam vítimas sem conta, isto é, sem se saber quantos nem como. Muitas vezes eram os europeus os criadores dessa instabilidade, mas que nem sempre eram responsabilizados, devidamente, pelos seus atos e guerras.

Agora são os perseguidos, os esfomeados, as vítimas das guerras, os que aspiram a uma vida melhor, que invadem a pacatez da Europa apodrecida no seu bem-estar mais ou menos de preguiça, de pouco trabalho (35 horas semanais é muito) e de passatempo. Eis que os migrantes/refugiados/prófugos – não é tudo o mesmo, mas quase vai dar tudo ao mesmo – chegam e são colocados em redutos de espera, avaliando as quotas de aceitação ou colocando barreiras e dificuldades aos residentes e habitantes…se bem que possam ser descendentes de outros como os que agora pedem ajuda.

Os mesmos que contestam as posições de Donald Trump na política migratória dos EUA, comportam-se como populistas anti-refugiados na Europa. Parece muito simpático receber os migrantes e refugiados, desde que seja na casa dos outros e não venham eles fazer perigar as nossas comodidades não-conquistadas, mas geridas a bel-prazer... Há cada vez mais um confronto civilizacional nesta questão da mobilidade humana, pois os direitos de viajar, de procurar melhores condições de vida, de circular por entre países, nações, povos e culturas é para todos e não se pode reduzir a um pequeno leque de beneficiários…

Talvez tenhamos de nos colocar na pele dos migrantes e dos refugiados e, assim, possamos sentir e ver quão injustos temos sido para com outros, que têm tantos direitos/deveres quanto nós!    

 

António Sílvio Couto


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