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segunda-feira, 4 de junho de 2018

Quando o livro reina, fazendo cultura


Na sua 88.ª edição, a ‘feira do livro de Lisboa’ é, durante cerca de três semanas, um grande espaço de apresentação de novidades editoriais, de lançamentos e autógrafos, de miscigenação de culturas, tendo por denominador comum o texto impresso, sobretudo, em papel.

Em razão da minha participação no lançamento e apresentação do último livro – ‘Nesta Igreja que amo e sirvo’ – bem como da sessão de autógrafos no dia seguinte, pude ver a grande afluência – num domingo e numa 2.ª feira – de visitantes, compradores e cultivadores da cultura através do livro. Nota-se a presença de muitas crianças, normalmente, acompanhas pelos pais, que as vão introduzindo ao gosto pela leitura, certamente, cultivada em casa e aprimorada na instrução e aprendizagem nas escolas. Nesta faceta da habituação ao texto escrito tem muita importância a cativação desde tenra idade, pois isso também se aprende a gostar como outros hábitos que fomos adquirindo desde novos.

Há, no entanto, dados e situações que podem favorecer ou desmotivar quem leia ou quem escreva. Desde o preço dos livros e a sua aquisição por necessidade, por gosto ou mesmo por educação. Aqui se poderá ver com mais acentuada conexão a distinção entre instrução e cultura, pois esta pressupõe aquela e a segunda se aprofunda usando os meios mais adequados para o seu enraizamento. Será sempre de questionar se os professores são instrutores da palavra e da novidade pela leitura. Quantas vezes se pode exigir que se saiba o mínimo, mas não se lançar as sementes para que se possa crescer pelos próprios meios. Isto consegue-se quando se for criando o gosto pelo estudo, tanto dos assuntos de escolarização, quanto de aprendizagens para que o pensamento se eduque e cresça com ferramentas de que cada um sente necessidade socorrer-se. 

= De entre a multiplicidade de propostas e sugestões que a ‘feira do livro’ coloca poderemos considerar que a especialização do livro precisa de ser assumida. Cultura e livros não podem ser dois binómios de uma campanha onde a literatura (dita) criativa e (mais ou menos) vendável seja uma espécie de efabulação veiculadora de ideias, de sensibilidades e de correntes a pedido. Com efeito, escrever é comunicar e todos sabemos que, se ao lermos seja o que for, a escrita não estiver clara, simples e apelativa, com facilidade abandonamos esse texto e procuraremos quem nos comunique algo que seja percetível à nossa cultura.

Não é tão grande quanto seria desejável o leque de autores que escrevem em português e dizemo-lo sobretudo atendendo às questões de fé, que não de mera religião. Se virmos os pavilhões específicos onde se podem encontrar abordagens à dimensão espiritual, à intelectualidade e à formulação de questões de âmbito religioso cristão poderemos perceber que, em Portugal, há muita religiosidade com cariz cristão/católico, mas que poucos, muito poucos, o exprimem em forma de escrita…correndo o risco de exporem-se e de serem criticados (no sentido positivo e/ou negativo) pelo que dizem ou pensam.

Para além de certos escritos devocionais – muitos deles de qualidade gráfica e doutrinal a roçar o sofrível – não tenho visto, na ‘feira do livro’, publicações mais ou menos desenvolvidas – a volumetria e as páginas nem sempre são o critério supremo para avaliação – segundo a capacidade dos nossos leitores. Há questões que devem ser levadas ao terreno da ‘feira do livro’, pois ninguém sabe se não andará por lá alguém à procura de Deus e do sentido para a sua vida. Não podemos embarcar na onda de certos critérios editoriais só porque nos foi proposto um tema – vindo de Roma ou de alguma diocese – e enquanto dura o ‘ano de qualquer coisa’ saem a propósito ou a despropósito muitas publicações. Há questões que precisam de ser aprofundadas, estudadas e esmiuçadas sempre. Eis algumas sugestões: o tema da Igreja será sempre útil e atual; as questões acerca da vida não pode ser abordadas por atacada só quando são introduzidas questões fraturantes; assuntos de âmbito moral e não só afunilada nas tribulações sexuais; os temas de compromisso social, como a economia e o trabalho, os direitos/deveres sociais, a vivência política, etc.

Com o devido respeito e a máxima compreensão, ouso sugerir que talvez fosse desejável que os ínclitos professores das nossas universidades com formação e compromisso católico se dessem mais a conhecer, publicando com regularidade e numa linha de reflexão/partilha com os seus irmãos na fé. Até mesmo os membros de congregações e institutos religiosos, bem como os padres diocesanos precisam de deixar escrito algo mais que façanhas ocasionais de obras materiais e de arranjos em monumentos…    

 

António Sílvio Couto  


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