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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Não sufoquem a ‘chama da solidariedade’


Ao final da manhã do dia 20 de fevereiro, foi rececionada a ‘chama da solidariedade’ em frente à câmara municipal da Moita, vinda do município do Barreiro.

Estavam presentes algumas das instituições de solidariedade – misericórdia e IPSS – com maior o menor expressão, mas que subiu ao palco foram os autarcas – câmara e juntas de freguesia – como se fossem eles os autores, promotores e executantes da dita solidariedade… O resto eram uns figurantes duma cena onde os do palco talvez não devessem ocupar tal espaço… Eles estão lá por visibilidade política, enquanto muitos outros/as fazem-no por opção de vida, por imperativo moral e mesmo por vocação/missão cristã de anúncio de Cristo, presente nos mais pobres, desvalidos, necessitados e marginalizados…

Não acredito, minimamente, na solidariedade que não seja decorrente da vivência de Mt 25,31-46, isto é, quando Jesus se identifica com os mais frágeis da sociedade…’O que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos a Mim o fizestes’! 

Explicando certos conceitos e contestando práticas:

* A ‘chama da solidariedade’ é uma iniciativa da CNIS (confederação nacional das instituições de solidariedade) lançada, em 2007, para desafiar ao bem-comum e ao compromisso social.

No distrito de Setúbal, através da união distrital, a ‘chama da solidariedade’ foi recebida em setembro de 2017 e percorrerá o território dos treze concelhos até junho deste ano.

* Os destinatários desta (pretensa) ‘chama da solidariedade’ podem e devem ser as instituições e as pessoas que praticam a solidariedade…Não podemos esquecer que muitas das associações surgiram exatamente para suprir o mau funcionamento das repartições oficiais. Não se pode dizer coisas como estas em público e depois atuar como tentáculos do poder nas proporções de cada município, freguesia, bairro ou vizinhança!  

* Sobre os intervenientes consideramos que não vale tudo para aparecer na foto de boa/mediana atuação. De facto, sendo uma ação da sociedade não-política – há quem pretenda chamar-lhe ‘sociedade civil’ – a solidariedade não a vemos, claramente, que tenha de ser uma função desempenhada pelas autarquias, pois elas são, na sua maioria, veiculadoras dos processos de governo – seja qual for a coloração – e, porque ligadas a formações partidárias, sem vínculo não-independente. Como poderão ser enquadradas para estarem presentes em certos atos como da receção, coordenação e difusão da ‘chama da solidariedade’? Além de escusadas parece que são inoportunas! 

= Fique claro: as ações de obras da Igreja – católica ou não – são muito mais objetivas na solidariedade que praticam, até porque decorrem da caridade posta em ato e não como uma espécie de ‘moda’ de fazer por solidariedade o que deve ser feito por justiça.

Quantas vezes as conferências vicentinas cuidam de centenas de famílias e não fazem alarido…nem nas paróquias. Quantas vezes os serviços socio-caritativos paroquiais pagam rendas, água, eletricidade, gás, medicamentos e fazem avios para quem não está fixado – isto é, que tenha fixa nos serviços oficiais e da segurança social – mas que precisa agora e logo já poderá ser tarde. Quantas vezes se atende aos pedidos para baixar as mensalidades de jardins-de-infância, centros de atividades de tempos livres ou de lares, porque algum dos membros da família ficou desempregado! Quantas vezes o horário não termina às dezassete horas, mas se prolonga com as lágrimas sorvidas por entre soluços de vergonha! 

= Enquanto a solidariedade for uma mera palavra para enganar com subsídios e prolongar a preguiça com estímulos ao não-emprego, a ‘chama da solidariedade’ ir-se-á apagar mais depressa do que as palmas de cerimónia e/ou as críticas de mau funcionamento dos serviços de assistência social das autarquias e de tantos outros meandros do atendimento.

A ‘chama da solidariedade’ poderá ser alimentada com fé e com fervor cristão, mas estiolará com aproveitamentos habilidosos de políticos, de autarcas ou de funcionários de balcão, mas desconhecedores do terreno e do compromisso. Sujem as mãos e não se limitem a colher os frutos daquilo que não semearam!

 

António Sílvio Couto




 

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