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sábado, 4 de novembro de 2017

Questões de memória…ativa e agradecida


A vivência, por estes dias, da solenidade de Todos-os-Santos e a comemoração dos Fiéis Defuntos, traz-nos à memória momentos e situações, factos e pessoas, episódios e recordações para com aqueles que nos precederam na vida e na fé.

Na oração eucarística primeira (ou Cânone romano) do ordinário da missa rezamos: ‘lembrai-vos, Senhor, dos vossos servos e servas [N. N], que partiram antes de nós marcados com o sinal da fé e agora dormem o sono da paz’… e cada um recorda os nomes da sua lembrança, de quem faz memória ou sobre quem pede sufrágio.

Se há virtude que talvez ande mais arredada da conduta humana parece ser a da gratidão, pois, de muitas formas e por vários modos, vemos que o esquecimento é mais do que atroz, o não-reconhecimento dado a outrem (sobretudo não-vivo) é preocupante e a superficialidade para com quem temos pontos de dever são mais do que as ofensas todas juntas num ramalhete floral…barato e insignificante.

Há coisas que doem mais do que todos os outros achaques. Há esquecimentos que torturam mais do que qualquer outra forma de empobrecimento moral e cultural. Há resquícios de ruindade ética que perduram muito para além do tempo e das suas circunstâncias…  

Se já nem nesta época do ano lembramos quem nos ligam laços de sangue, de amizade ou mesmo de fé, estaremos a caminhar de forma perigosa para uma sociedade sem memória e sem história, sem capacidade de admiração e sem ligações afetivas mínimas, sem vivência dos factos grandiosos e sem que haja futuro dado que o passado foi renegado…

Se há quem viva excessivamente em volta do ‘culto dos cemitérios’, há, por seu turno, quem nunca deles de aproxime, como se com tal atitude conseguissem não terem de enfrentar tal realidade (ou alguma outra idêntica) de passagem da contingência embrionária para a declaração da mesma, através duma forma mais ou menos assumida… O equilíbrio – nisto como em tantas outras coisas da vida – é o melhor caminho e a forma mais salutar de ser normal e sobrenatural, isto é, de saber ver o que se vê com olhos, que ultrapassam as aparências, mesmo as mais funestas. 

= Desafios de santidade…contínua

Neste emaranhado de coisas da nossa vida, podemos e devemos perguntar sobre se há algum caminho simples (o que nem sempre quererá dizer fácil), exequível e progressivo desse grande desafio com que somos convidados a viver, esse de sermos santos. Antes de tudo será útil referir que não está vedado a ninguém e não há quem possa dele ser excluído só porque não pertence a uma determinada classe ou setor social, nível religioso ou etário, de instrução ou cultura.

O caminho da santidade – onde a questão da memória está presente e se torna essencial – passa pela santificação nas coisas simples do nosso dia-a-dia, isto é, nas tarefas mais ordinárias – no sentido de normais, vulgares, sem espalhafato – que compõem o nosso viver: aí onde tudo tem valor e é valorizado, onde cada pessoa é tida em conta e não é ultrapassada pelo telefonema de ocasião ou da urgência (quase) inútil, onde cada um se coloca com intensidade em tudo o que faz (como se possa ser a última vez que o realiza), onde cada aspeto diário ganha dimensão de eternidade, único e irrepetível…

Assim, qualquer que seja o esquecimento ou a não-memória torna-se algo de ofensivo, tanto para com quem não cuidamos, como para com quem não seja atendido pelas nossas ocupações mais ou menos importantes, mas, por vezes, são tão insignificantes e dispensáveis, que, um dia, haveremos de nos envergonhar por não termos dado a necessária atenção a quem precisava do nosso carinho, amizade e presença.

Pelo muito que recebemos daqueles que nos antecederam na vida, na história, na família e mesmo na fé, precisamos de ser gratos para com eles, não deixando esquecer a sua memória e tudo quanto nos faz ter neles reconhecimento, mérito e de lhes darmos continuidade…

Quando podemos viver isto de forma comunitária, os nossos antepassados têm mais significado e dão-nos força para sermos seus dignos continuadores… Temos heróis e santos, hoje como ontem!     

 

António Sílvio Couto



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