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segunda-feira, 10 de julho de 2017

‘Missa tradicional’: porquê e para quê?


Há cerca de três ou quatro dias recebi um email intitulado: ‘na santa Missa encontrar Deus’, onde se fazia a descrição apologética da missa tradicional, diga-se, em latim. Era escrito:

«Há 10 anos o Papa Bento XVI deu à Igreja uma grande graça ao tornar a possibilidade de celebração da Santa Missa Tradicional de uma forma livre e com naturalidade junto com a celebração da Santa Missa promulgada pelo Beato Papa Paulo VI. Esta graça está conforme o pedido do Concílio Vaticano II: "O sagrado Concílio, guarda fiel da tradição, declara que a santa mãe Igreja considera iguais em direito e honra todos os ritos legitimamente reconhecidos, quer que se mantenham e sejam por todos os meios promovidos" (SC4).

Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial. Faz-nos bem a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja, dando-lhes o justo lugar.

Abri o vosso coração à Santa Missa Tradicional, enriquecei o vosso ser cristão, o sabor do sal e o brilho da luz ao conhecerdes e ao celebrar a Santa Missa Tradicional. Proporcionai aos fiéis a possibilidade do encontro com Deus e que a partir de vós que na Santa Missa atuais na pessoa de Cristo possam ver Cristo na vossa humilde e silenciosa oração.

A Santa Missa tradicional foi construída sobre a rocha que é Cristo e o Seu Sacrifício no Altar oferecido a Deus, por isso esta Santa Missa não desaparece, não é abandonada e volta a surgir naturalmente pela vontade daqueles que têm sede da água viva. Em todo o mundo, jovens e diversas pessoas que nunca tinham crescido com esta forma encontram nela a expressão da Fé e o lugar onde encontram Deus». 

= Perante tais argumentos – com vídeos dalgumas das celebrações em latim – respondi secamente:

«A quem interessa fixar-se no imobilismo? Porque temos de ler coisas contra o espírito do Concílio Vaticano II? No Céu, a missa será tradicional? Por amor de Deus, gastem as energias da graça de Deus em coisas mesmo sérias! Bênção e discernimento». 

= Ripostando quem antes tinha enviado a mensagem escreveu:

«Muito obrigado por comentar, compreendo o que indica, também gostaria que não fosse necessário fazer esta reflexão e fosse possível seguir um caminho sempre a direito. Mas infelizmente os problemas existem, as pessoas estão afastadas da Fé, não veem importância em ir à missa, não conhecem o que a Igreja ensina e vivem como se Deus não existisse, são almas afastadas do seu Criador. Estas são coisas sérias, cuidar das almas dos nossos irmãos e chamá-los para a Fé é uma tarefa importante.

(…) A Santa Missa no Céu não sei como será, mas na missa tradicional se nos abrirmos a conhecê-la vemos que tenta colocar-nos a celebrar em união com a liturgia celeste». 

= Dá a impressão que neste grande areópago de diversidades, que é a Igreja católica, podemos defender posições que possam ser a contento mais ou menos individual – raramente uso este termo, pois tem mais sentindo dizer ‘pessoal’, mas aqui reporta-nos a um certo rito de individualismo – de interesses e mais de devoções… mesmo que usando o que há de mais sagrado na vida eclesial, que é a eucaristia.

De facto, não deixa de soar a oco e de tresandar a irreverência que se use a autoridade do Papa Bento XVI para alicerçar esta vaga de tradicionalismo em certos setores da Igreja católica. Os argumentos aduzidos deixam muito a desejar, a não ser que tenhamos de proporcionar a todos, até aos pré-cismáticos, as possibilidades de sermos uma Igreja que não se fecha nem aos rebeldes.

Será com o recurso à missa tradicional que iremos responder às questões de fé de tantos dos nossos contemporâneos? A quem se quer impressionar com tais posições tridentinas – este termo não é ofensivo, mas tem de ser lido no contexto histórico e eclesial, que não meramente eclesiástico – e de recuos de doutrina e de prática saídas do II Concilio do Vaticano?

Há tanta coisa bonita e útil em que nos devíamos empenhar, criando condições para que os nossos cristãos possam apreciar melhor a eucaristia. Inclusive é redutora a insistência em designar este sacramento de ‘santa missa’, em vez de usarmos o termo mais abrangente e comprometido que é o de ‘eucaristia’, pois ‘missa’ é o ato de envio – ‘ite, missa est’, isto é, ‘ide, sois enviados’, enquanto ‘eucaristia’ abrange a ação de graças, o sacrifício/ofertório (que é muito mais do que a apresentação dos dons), a oração litúrgica, a comunhão… tendo por fundamento a escuta da Palavra de Deus, tornada proclamação e vida…

Onde está e como se exprime a presença dos vários ministérios na eucaristia, se a reduzirmos à ‘santa missa tradicional’? Voltaremos a essa espécie de cerimónia, onde o padre é mais o centro, ofuscando os dois altares, o da Palavra e o da comunhão? Preparemos a eterna liturgia do Céu, vivendo a eucaristia na Terra!

 

António Sílvio Couto





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