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segunda-feira, 6 de julho de 2015

Família: santuário da misericórdia


Tomamos este título da realização recente do encontro diocesano de um movimento da Igreja católica, na diocese de Setúbal.

Mais do que um slogan, este tema pode e deve levar-nos a refletir sobre a família, a misericórdia e a sua vivência numa atitude de santificação.

Tentaremos abordar esta problemática tendo em conta, essencialmente, a nossa raiz judaico-cristã, discernindo, por entre tantos sinais de interpretação contrária, o que a família pode ser, sabendo que há cada vez mais pessoas feridas na sua vivência mais simples e cujas mágoas se estendem a situações mais ou menos mal resolvidas, senão mesmo adiadas ou ofendidas...dentro e fora de portas.

Como alguém dizia: uma família começa a construir-se três gerações antes de efetivamente os cônjuges se matrimoniarem – dizemo-lo ainda num conceito religioso – e a vermos pelos factos que por agora ocorrem, a família já está em crise desde há muito tempo...

= Família: o que é, o que foi ou o que deve ser?

Poder-se-á dizer que nenhuma outra instituição humana está tão sob fogo do que a família, sobretudo atendendo a uma certa noção que ainda vamos tendo na memória.

À (dita) família tradicional surgem hoje muitas de diversas sugestões de família. Percorramos algumas das modalidades: família nuclear (pai, mãe e filhos... normalmente agora no singular), família alargada (onde se envolve para além da conjugalidade, a conexão com ascendentes e descendentes), monoparentais, disfuncionais (destruturadas), reconstruídas...singulares, homoafetivas, etc.

Sobre a família deixou da haver consenso, seja de forma e quase de conteúdo, pois, muitas vezes, cada um fala daquilo que viveu – mal ou bem – e cria uma ilusão sobre aquilo que gostaria de conseguir, ao menos como suplência do não-vivido, mas onde o que transporta é a experiência do já vivido...Assim corremos o risco de dizer o que a família é, à luz do que vivemos e de querermos ter o que não conseguimos viver.

= Casa: lar, refúgio ou santuário?

Cada um de nós tem a experiência da sua casa, onde aprendeu com o pai e com a mãe a ser homem ou mulher, vendo neles as referências humanas, afetivas e morais. Por isso, a casa onde cada um de nós nasceu, viveu e/ou foi educado deixou marcas indeléveis para a nossa vida. Também nestes aspetos as envolvências cénicas nos influenciaram. Com efeito, se fomos educados com a presença (ou ausência) de sinais (ditos) religiosos, isso faz de nós pessoas com alguma sensibilidade (ou não) às dimensões da crença, da fé e mesmo do cristianismo.

Falar da família como ‘santuário’ como que pode desencadear na nossa memória efeitos de respeito, de oração, de prática religiosa e mesmo como espaço onde se aprendeu a conviver com o mistério dos outros: pai ou mãe, os irmãos, os vizinhos, a natureza (animais, plantas, e minerais), numa conjugação entre todos e os demais.

= Família – santuário de misericórdia: como?

Será, então, na família onde todos se cuidam e se deixam cuidar, se amam e se deixam amar, se acolhem e se deixam acolher, se perdoam e são perdoados que poderemos encontrar a resposta a este desafio: ser e viver a misericórdia na família.

Com tantas pessoas feridas nas experiências de família, esta poderá ser ainda hoje espaço de misericórdia dada e recebida? Como incluir os elementos dispersos e enquadrar os cacos esfrangalhados? Como envolver os marginalizados e ajustar os marginais? Como curar as feridas e sarar as mazelas mais profundas? Como fazer de cada lar um espaço de partilha e não, de forma ocasional, um tempo de mesa à pressa?

Temos todos uma tarefa de grande valor e de enorme esforço. Queira Deus que nos ajudemos a olhar o futuro com esperança, confiança e coragem!
 

António Sílvio Couto

1 comentário:

  1. Em análise da frase: "uma família começa a construir-se três gerações antes (...)"

    O grupo familiar é composto: a partir do casal, e a partir daí ocorre uma interação entre várias pessoas e diversas gerações, construindo se assim um caminho para transmissão psíquica. As mudanças nos sistemas de transmissão psíquica e socioculturais, assim como suas feridas, trazem um lado negativo, que é aquilo que fica oculto, não dito ou “mal dito”, atravessando as gerações em um processo transgeracional. Quando é marcada pelo negativo, observamos que o que se transmite é aquilo que não pode ser detido é o que
    não encontra registrado no psiquismo dos pais e é depositado no psiquismo da criança: os lutos não realizados, os objetos desaparecidos sem traço nem memória, a vergonha, as doenças e a falta (CORREA, 2003).

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