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quinta-feira, 23 de julho de 2015

Termos ‘religiosos’ na política


Apesar da maioria dos praticantes da vida política se dizer distante – senão mesmo avessa – da vida religiosa (seja qual for a denominação ou até a expressão), de vez em quando alguns caem na tentação de se servirem de conceitos, de termos e de ideias de âmbito religioso, particularmente de incidência cristã.

Ainda no recente debate – pareceu mais luta em ringue – do ‘estado da Nação’, houve quem trouxesse à liça termos como: os sete pecados mortais, as dez pragas e outros saídos do vocabulário mais ou menos enfezado (isto é, com algo a ver com ‘fé’) dos assessores, consultores ou fazedores de opinião…

Há, no entanto, uma palavra que é recorrente nas múltiplas e abundantes acusações, que uns contra outros vão esgrimindo: ‘hipocrisia’ (substantivo, adjetivo, interjeição, etc.)… para classificar a forma errante com que cada adversário avalia o desempenho alheio, querendo com isso, muitas vezes, acusar a incongruência, elogiando a auto folha de serviços… sempre melhor do que a dos outros, depreciando as suas capacidades de atores!

= Daquilo que se vai sabendo – cada um fala do que deseja para que os adversários possam vir a sair desfavorecidos – há grupos partidários onde a luta por um lugar a candidato a deputado tem revestido lutas de fações, onde até a vertente religiosa de cada um tem servido para arremessar contra os outros pretendentes ao posto. Nalguns casos há acusações de teor bem mais maquiavélico do que seria desejável em ‘famílias’ (ditas) da mesma coloração. Ao que parece, alguns cristãos um tanto praticantes e certas fações da maçonaria têm vivido e protagonizado alguma refrega…embora surja ao público como guerrilhas de setores conotados com anteriores ou atuais dirigentes!

 = É notório em certas regiões do país alguma colaboração entre as entidades públicas e os setores da Igreja católica. Parece que, aonde ainda se possam verificar laivos de cristandade, certas forças partidárias/ideológicas – nalguns casos com prática religiosa de circunstância – têm receio de viver tal (boa) harmonia… mas, nalgumas situações, pelo contrário, criam mal-estar e até conflitos. Coisa bem diferente ao sul do Tejo, onde muitos autarcas têm outra atitude – normalmente respeitosa e autónoma – com distanciamento e diálogo… Tal como já referimos noutra ocasião, só esperamos que a tal prenda de Evo Morales ao Papa Francisco, na recente visita apostólica deste à Bolívia, não seja seguida na forma nem no jeito!

= Já devia ter sido banido do pensamento e, sobretudo, do comportamento de muitos responsáveis (dentro e fora da Igreja católica) este cliché que pretendia dizer: ‘a Igreja não se deve meter na política’! Com efeito, ‘política’ é toda a ação cívica em favor da cidade (polis) e que tem de envolver tudo e todos. Bem diferente será essa outra tentativa ou tentação de intervir ou de pactuar com as coisas de âmbito partidário, pois só iríamos criar fraturas e pouco faríamos em favor dos outros. Com efeito, o compromisso com a construção da cidade terrena é algo marcante, desde as origens do cristianismo. Fazer o contrário – alhear-se da vivência com os outros – poderá ser mais um pecado social grave, pois as omissões são tanto ou mais pecados do que os erros feitos. Ter as mãos limpas de nada fazer será muito pior do que sujá-las mesmo com o (possível) risco de errar!

= Nada há de mais sublime do que comprometer-se em favor dos outros, pois eles são a presença mais visível de Deus para nós e connosco. Numa época em que vão surgindo ‘espiritualidades’ de alienação, torna-se essencial criar sinergias de boas vontades para que possamos viver radicalmente todas (as catorze) obras de misericórdia… Em todas elas estamos a considerar o mistério da encarnação como a mais sublime vivência do amor de Deus feito próximo, desde fonte até à meta da caminhada… O Deus em quem cremos faz-nos ver o irmão com quem convivemos. Por isso, o desprezo não poderá ser o fermento da conduta de qualquer cristão… Há raízes de maldade que também podem florescer por breve tempo, mas não passam de engano… assim na Terra como para o Céu. A quem interessa a promoção de certas ‘espiritualidades’, se não fazem abrir à conversão a Deus nos outros? Religião ou política assim, não, obrigado!      

 

António Sílvio Couto

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