Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Mensagem a uma mãe… que teve de abortar


Há dias escrevi numa mensagem de tlm: ‘Quem nos ama, cuida de nós e nós deixamo-nos cuidar por quem nos ama’!

Agora compreendo um tanto melhor o que queria, de verdade, dizer, tentando explicitar o que tal frase/pensamento queria significar.

Tenho ainda por suporte de análise um acontecimento que me foi dado conhecer: o recurso à interrupção (voluntária) da gravidez de uma mãe, que, estando em risco de vida, até foi contra as suas convicções… embora agora esteja a viver as dificuldades de algo que a perturba psicológica e espiritualmente.

Nestas questões da vida há valores que se sobrepõem, sendo a vida um valor maior, teremos de saber discernir qual é esse bem maior, sobretudo se estiver em causa a vida, a saúde e a sobrevivência da própria mãe. Foi isto que aconteceu no caso que temos estado a acompanhar… com amizade e dolorosamente. Embora não seja fácil o processo psicológico de um tempo de luto, tudo foi de uma grande luta. Por isso, muitas das campanhas antiabortivas correm o risco de meterem no mesmo saco questões de leviandade e erros de adolescente com processos complexos de escolha entre valores éticos e espirituais.

Muito embora o recurso ao aborto até possa ter-se tornado uma espécie de plano anticoncetivo para certas pessoas, noutros casos terá de perceber-se qual é o seu significado sem rótulos nem juízos. Cada caso é uma situação, que deverá ser acompanhada com ternura e misericórdia, tendo em conta os vários fatores, as diversas consequências e não meramente as causas… mais ou menos conhecidas, aceites ou aceitáveis.
 
= Questões, desafios e propostas

Quando tanto se evoluiu no campo médico-sanitário e científico, tudo isto nos leva a colocar questões sobre a mais básica das virtualidades humanas: a geração, gestação e nascimento de uma pessoa. Quando tudo parece fácil e natural, algo põe em risco tantas e tão profundas convicções das pessoas… tornando a vida o mais vulnerável dos valores. Se as raízes são tão frágeis e tão profundas como não poderemos deixar de envolver Deus nisso que é tão belo e sensível, psicológico e afetivo, profundo e espiritual.

Porque têm ainda medo as pessoas de reconhecer que Deus também conta nas questões da vida? Será ignorância ou (só) envolve orgulho? Até onde irá a capacidade de fazer bem e de confiar na condução divina? Não será que as feridas – mesmo neste campo da ética da vida e de outros temas que lhe estão atinentes – têm de ser curadas com a confiança em Deus e nos outros como irmãos na mesma fé?

Quando o desenrolar da nossa existência nos coloca a necessidade de opções sobre questões da vida nem sempre é fácil decidir sozinho… até porque não somos seres isolados e muito menos solitários, sendo necessário encontrar ambientes onde sejamos ajudados a ultrapassar os momentos de conflito, as vivências mais complexas e, quantas vezes, a dirimir os nossos erros, falhas e até pecados.

Será que os nossos espaços de fé – paróquias, movimentos, associações ou qualquer outra possibilidade de partilha – nos permitem ser acolhidos, aceites e reconfortados? Nas horas de maior prova temos um ombro onde chorar ou um peito – fraterno, materno/paterno, eclesial ou espiritual – onde desabafar sem acusações nem reprimendas? Não será que, quando e quanto vivermos isso, poderemos estar mais despertos para propormos isso aos outros? Como poderemos ajudar quem sofre se não tivermos a sensibilidade de sermos acolhidos quando sofremos?


Na conciliação teológica, espiritual e católica da samaritana e do samaritano poderemos ter um coração e uma mente saudáveis para sermos, hoje, os evangelizadores e os profetas de Jesus pela vida, como dom e como mistério: aquela acolheu Jesus e deixou-se converter, este fez-se próximo, aproximando-se fraternalmente. De fato, quanta gente sofre porque não conhece Jesus, porque não há quem lh’O anuncie e tantos outros sofrem porque não há quem deles se aproxime de mão estendida e de coração aberto à partilha.

Aquela mãe, que teve de abortar, precisa de um samaritano para viver a dinâmica da samaritana, hoje!  

 

António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário