Há dias
escrevi numa mensagem de tlm: ‘Quem nos ama, cuida de nós e nós deixamo-nos
cuidar por quem nos ama’!
Agora
compreendo um tanto melhor o que queria, de verdade, dizer, tentando explicitar
o que tal frase/pensamento queria significar.
Tenho ainda
por suporte de análise um acontecimento que me foi dado conhecer: o recurso à
interrupção (voluntária) da gravidez de uma mãe, que, estando em risco de vida,
até foi contra as suas convicções… embora agora esteja a viver as dificuldades
de algo que a perturba psicológica e espiritualmente.
Nestas
questões da vida há valores que se sobrepõem, sendo a vida um valor maior, teremos
de saber discernir qual é esse bem maior, sobretudo se estiver em causa a vida,
a saúde e a sobrevivência da própria mãe. Foi isto que aconteceu no caso que
temos estado a acompanhar… com amizade e dolorosamente. Embora não seja fácil o
processo psicológico de um tempo de luto, tudo foi de uma grande luta. Por
isso, muitas das campanhas antiabortivas correm o risco de meterem no mesmo
saco questões de leviandade e erros de adolescente com processos complexos de
escolha entre valores éticos e espirituais.
Muito
embora o recurso ao aborto até possa ter-se tornado uma espécie de plano
anticoncetivo para certas pessoas, noutros casos terá de perceber-se qual é o
seu significado sem rótulos nem juízos. Cada caso é uma situação, que deverá
ser acompanhada com ternura e misericórdia, tendo em conta os vários fatores,
as diversas consequências e não meramente as causas… mais ou menos conhecidas,
aceites ou aceitáveis.
= Questões, desafios e propostas
Quando
tanto se evoluiu no campo médico-sanitário e científico, tudo isto nos leva a colocar
questões sobre a mais básica das virtualidades humanas: a geração, gestação e
nascimento de uma pessoa. Quando tudo parece fácil e natural, algo põe em risco
tantas e tão profundas convicções das pessoas… tornando a vida o mais
vulnerável dos valores. Se as raízes são tão frágeis e tão profundas como não
poderemos deixar de envolver Deus nisso que é tão belo e sensível, psicológico
e afetivo, profundo e espiritual.
Porque
têm ainda medo as pessoas de reconhecer que Deus também conta nas questões da
vida? Será ignorância ou (só) envolve orgulho? Até onde irá a capacidade de
fazer bem e de confiar na condução divina? Não será que as feridas – mesmo
neste campo da ética da vida e de outros temas que lhe estão atinentes – têm de
ser curadas com a confiança em Deus e nos outros como irmãos na mesma fé?
Quando o
desenrolar da nossa existência nos coloca a necessidade de opções sobre
questões da vida nem sempre é fácil decidir sozinho… até porque não somos seres
isolados e muito menos solitários, sendo necessário encontrar ambientes onde
sejamos ajudados a ultrapassar os momentos de conflito, as vivências mais
complexas e, quantas vezes, a dirimir os nossos erros, falhas e até pecados.
Será que
os nossos espaços de fé – paróquias, movimentos, associações ou qualquer outra
possibilidade de partilha – nos permitem ser acolhidos, aceites e
reconfortados? Nas horas de maior prova temos um ombro onde chorar ou um peito
– fraterno, materno/paterno, eclesial ou espiritual – onde desabafar sem
acusações nem reprimendas? Não será que, quando e quanto vivermos isso,
poderemos estar mais despertos para propormos isso aos outros? Como poderemos
ajudar quem sofre se não tivermos a sensibilidade de sermos acolhidos quando
sofremos?
Na
conciliação teológica, espiritual e católica da samaritana e do samaritano
poderemos ter um coração e uma mente saudáveis para sermos, hoje, os
evangelizadores e os profetas de Jesus pela vida, como dom e como mistério: aquela
acolheu Jesus e deixou-se converter, este fez-se próximo, aproximando-se
fraternalmente. De fato, quanta gente sofre porque não conhece Jesus, porque
não há quem lh’O anuncie e tantos outros sofrem porque não há quem deles se
aproxime de mão estendida e de coração aberto à partilha.
Aquela
mãe, que teve de abortar, precisa de um samaritano para viver a dinâmica da
samaritana, hoje!
António
Sílvio Couto
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