Diante
da azáfama das coisas do Natal, há (ou pode haver) algumas distrações que não
se compaginam com a profundidade do mistério celebrado: o nascimento de Jesus.
Duma
forma mais ou menos assumida vai-se interiorizando a necessidade de centrarmos
no essencial estas coisas dos festejos natalícios: menos luzes (nas ruas e em
casa), maior frugalidade nas despesas (de presentes/prendas, de comidas e
bebidas, de brinquedos e afins, de deslocações e viagens, etc.)…numa tentativa
de entender as razões daquilo que celebramos e, nós, cristãos, procuramos viver.
Para
além das marcas sociais e económicas, o Natal tem marcas de índole psicológica
e espiritual. Para além da festa da família, o Natal necessita de ser vivido
com motivações mais do que meramente humanistas. Para além do aproveitamento
das vertentes materialistas, o Natal deve criar condições pessoais e familiares
onde o renascimento de Jesus se possa dar… tendo lugar na nossa casa, seja em
mesmos, com os nossos, seja no ambiente em que habitamos, isto é, aquilo que fazemos
e aqueloutro que me faz ser o que sou.
= Como será, então,
viver a preparação e o próprio Natal em humildade?
Desde logo será conveniente dizer que não é humilde
somente quem quer, mas a quem Deus concede essa graça… embora para se ser
humilde tenha de haver esforço, pois esta faceta da nossa personalidade humana
não é muito vendável, nos tempos que correm. Na preparação e na vivência do
Natal temos alguém que vive, por excelência, a dinâmica da humildade: isso
mesmo podemos ver tão belamente em Maria, nossa senhora. Ela é quem se faz – ou
melhor, se deixa fazer – humilde para que Jesus tenha condições de nascimento,
aconchegando-o em seu coração e depois afagando-o em seus braços e regaço.
Por outro lado, para se ser humilde e viver como tal só o
conseguimos na medida em que aceitamos a profunda realidade do pecado, tanto em
nós mesmos como à nossa volta. Aliás, este é o melhor caminho para nos
reconhecermos como meros instrumentos nas mãos de Deus, isto é, numa humildade
que nos torna agradecidos pelo perdão que Deus nos concede para celebrarmos
condignamente Jesus, que renasce pelo perdão sacramental. Não deixa de ser
revelador duma certa apatia a reduzida frequência do sacramento da penitência,
no Advento, quando comparada com a participação no mesmo por ocasião da
Quaresma. Ouvi, uma vez do recém-falecido D. António Marcelino, uma frase que
atesta este aspeto: o Natal gera mais fraternidade do que conversão!
Ora, viver com humildade exige uma grande e profunda
capacidade de despojamento, mesmo intelectual. E nem sempre é fácil ver como
sabemos tão pouco, quer diante dos outros, quer na vivência à luz da sabedoria
do Espírito Santo. Quantas vezes o nosso ‘orgulho intelectual’ nos impede que
sejamos capazes de nos assumirmos na nossa ignorância, isto é, necessitados de
aprender e, por conseguinte, aptos a fazermos, na humildade, um caminho de
aprendizagem, seja no enriquecimento humano, seja na abertura aos outros e até
no reconhecimento da nossa pequenez diante de Deus. Vejamos o percurso de
humildade de São José, o servo sem palavras, mas rico de atitudes de seguimento
da vontade de Deus. Não é uma mera casualidade que o Papa tenha proposto a
invocação deste grande santo como patrono da Igreja: há de ser pela sua
humildade que havemos de aprender a ser humildes, de verdade!
Numa palavra: estar disponível para fazer o caminho da
humildade exige pureza de coração e simplicidade de vida. Com efeito, há sempre
um longo caminho a percorrer… pois a humildade faz-nos mergulhar no húmus da
nossa contingência mais profunda, aprendendo aceitar-nos para nos deixarmos
converter cada vez mais radicalmente. Quem melhor do que Jesus viveu em caminho
de abaixamento ao fazer-se homem e assim salvar-nos? Por isso, celebrar Jesus,
no Natal, é fazer com Ele idêntico percurso na fé e no testemunho de vida,
hoje.
António Sílvio Couto
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