Há
dias soube da atitude de um dirigente de uma instituição particular
de solidariedade social que decidiu protelar (dentro dos parâmetros
possíveis e nas datas aceitáveis) o pagamento dos vencimentos dos
(seus) funcionários por uns dias para que estes não gastassem o
dinheiro precipitadamente. É que havia uma festa, na localidade, no
intervalo entre essa data e o final do mês, e corria-se o risco de
gastarem o ordenado desordenadamente... Pior ainda, isto tinha por
base uma outra experiência mal sucedida, por ocasião do Natal/fim
de ano, em que, tendo pago os ordenados uns dias mais cedo do que o
habitual, em dezembro, a meio de janeiro, já andavam muitos
atrapalhados com a insuficiência de saldo...
Extrapolando
este exemplo para o quadro do país e de muitas famílias
portuguesas, poderemos apresentar breves perspectivas sobre algumas
causas e outras tantas consequências… visíveis ou previsíveis.
Comecemos
por fazer algumas (‘inocentes’) perguntas: Será que as pessoas
não fazem contas ao que ganham e ao que podem gastar? Porque se
gerou uma certa tendência despesista – tanto ao nível pessoal
como na dimensão do país – em que não se faz contas às
possibilidades mais básicas? Será verdade que as pessoas não fazem
contas à vida e aos meios com que contam para honrar os seus
compromissos, mesmo os mais essenciais? Não haverá uma tendência,
cada vez mais generalizada, de pensar em que alguém, que não o
devedor, há-de pagar o que gastamos sem tino nem tento?
Digo-o
de forma simples, directa e sincera: fui educado a nunca gastar mais
do que aquilo que se tem. Inclusive ouvia na minha família: ‘quem
não tem dinheiro não inventa modas nem tem vícios’! E ainda: ‘as
coisas têm de durar até que possa haver dinheiro para comprar
outras’!...
= Educar para a austeridade ou ter sentido de pobreza?
Agora
que o país está sob resgate do empréstimo, que nos foi concedido
para termos o dinheiro mínimo em ordem às despesas gerais e,
tendo-se gerado um clima de austeridade a toda a prova, urge
reflectir que modelo de sociedade queremos: gastar sem olhar a meios
ou saber viver com o essencial? Também, na perspectiva cristã da
vida e dos valores, poderemos questionar se já aprendemos a viver
com a atitude de gente pobre (andrajo, resmungão e mal agradecido)
ou em espírito de pobreza sem pactuar com uma resignação
preguiçosa, mas antes aferindo-se ao que é essencial?
Como
povo português não temos sabido conviver com estes novos desafios,
pois nos achavamo-nos numa certa Europa de ricos e julgavamos que
nunca mais teríamos de viver com dificuldades. No entanto, bem
depressa nos atulhamos na lama do desemprego, nas teias da
subsidiodependência, nas garras da promiscuidade entre o legal e o
biscate... para flutuar até ver se resulta ou em não ser
descoberto!
= Do
desperdício à reaprendizagem com o essencial
Sobretudo
as gerações educadas nos últimos quarenta anos – muitos já nem
se lembram do 25 de Abril – têm de aprender a valorizar as coisas,
deixando de viver numa certa vida fácil, desde o brinquedo recebido
por birra até à prenda que foi dada sem pedir nem tão pouco
merecer. Neste aspecto de aprendizagem tem sido muito útil um
programa ficionado televisivo sobre as dificuldades dos ‘retornados’.
Aí se vê como nós, portugueses, temos estofo de lutadores e não
nos resignamos ao ‘deixa correr’ e em que alguém fechará a
porta quando tudo tiver acabado!
Agora
que as coisas estão a mudar, precisamos que os responsáveis, tanto
das instituições públicas, como as de índole privada, singulares
ou colectivas – onde por excelência incluímos a Igreja católica
– unam esforços numa pedagogia da assumpção dos nossos erros e
numa propulsão das nossas capacidades.
Basta
de tanto choradinho, que não paga dívidas. Precisamos de mudar de
paradigma… mental e cultural. Urge criar outra mentalidade… mais
modesta e séria. Assim sejamos dignos de criar esperança neste
Portugal, que tem futuro, sabendo ordenar os nossos gastos...
correta, cívica e responsavelmente.
António
Sílvio Couto
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