Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Viver a fé em tempo de Quaresma


Atendendo à riqueza espiritual e religiosa, que é o tempo da Quaresma, parece-nos oportuno, neste ‘Ano da fé’, apresentar algumas sugestões para vivermos (pessoal, familiar e eclesialmente) este tempo de graça em vista da celebração do mistério central da fé cristã, que é a Páscoa de Jesus e a nossa em Igreja católica.

* Novidade em tradição

Sem pretendermos recauchutar vivências populares, poderemos dar novo sentido ou ardor àquilo que já fazemos e renovar aquilo que é feito... quantas vezes com tanto esforço e (talvez) pouco proveito visível!

= Cuidar dos sinais da caminhada (via-sacra, penitência, procissão do Senhor dos Passos)

Estas vertentes de fé popular têm grandes possibilidades de serem vividas com novo ardor e usando novos métodos.

- Inovar na temática da Via-sacra: inseri-la no projecto anual da diocese e/ou da paróquia

v.g.: mãos, rostos, pecados (capitais ou sociais), obras de misericórdia... pés (caminho... corda);

- Vivenciar a celebração do Sacramento da Penitência: não repetir ou socorrer-se do que outros fizeram... cada um deve fazer a sua caminhada, por forma a viver a dinâmica de contínua de conversão... Cada ano deveríamos, senão ao nível diocesano pelo menos ao nível arciprestal, criar um novo exame de consciência de caminhada comunitária... coordenada.

- Procissão dos Passos: fazer uma espécie de ‘desfile’ de santos poderá ser útil para certas vaidades, mas talvez possa ser pouco cristão na forma e no conteúdo. Incluir encenações e momentos de anúncio vivencial da Palavra de Deus serão oportunidades a cuidar nesta época em que a fé do templo nem sempre tem sintonia com a fé da rua... Podemos e devemos fazer melhor!

= Não entrar na rotina (vivência do jejum/abstinência - porquê e para quê? razões, hoje)

A rotina mata o amor! Por isso, certos ritos, mesmo que simples, como que podem fazer perigar a intensidade de comunhão cristã. O tema da ‘abstinência/jejum’ põe-nos, humana e espiritualmente, uma proposta de sacrifício assumido numa comunhão com quem passa dificuldades, gerando em nós mesmos uma supressão de algo que pode até ser excessivo...

= Ousar propor pequenos gestos (pessoais, familiares, paroquiais)...de partilha/caridade (renúncia quaresmal - que sentido? que razão?)

Inseridos no espírito de caridade, a renúncia quaresmal faz-nos participar com gestos -- mais do que por meras palavras -- de partilha e em abertura à catolicidade da fé cristã.

* Fidelidade ao Espírito Santo

Em de tudo a nossa vivência da fé acontece na Igreja, com a Igreja e pela Igreja Igreja, pois esta nossa mãe nos dá as condições para nascermos (pelo baptismo), nos alimentarmos (pela eucaristia) e de nos reconciliarmos (pela penitência) todos com Deus e uns com os outros.

= Na Igreja: cuidado comunitário

Somos parte de um todo eclesial e não meras fatias de um conjunto. Assim, tudo o que possamos fazer ou propor que possa aproveitar ao bem dos outros. Nos mais diversos serviços da Igreja deveríamos sentir-nos representados por quem está noutros trabalhos que não o nosso e não em concorrência pela visibilidade do nosso ‘eu’... Quando alguém canta bem sentimo-nos engrandecidos ou temos uma certa inveja? Quem exercita a caridade fá-lo em nome de todos ou como uma espécie de trabalho ‘seu’?

= Com a Igreja: pelas mãos uns dos outros

Não temos direito de impor as nossas devoções aos outros, mas antes devemos lançar sementes para que outros cresçam por si mesmos. Talvez ainda vivamos um certo infantilismo da fé e da não-corresponsabilidade em Igreja. Será que os leigos se sentem de corpo inteiro, pela sua vocação e missão, no exercício dos seus dons? Não será que, por vezes, há alguns leigos a fazer de padres e certos padres à maneira de leigos?

= Pela Igreja: humildade e serviço

Na medida em que nos consciencializarmos do nosso lugar na Igreja assim estaremos ao serviço uns dos outros com humildade e atenção fraterna. O serviço do amor deve começar dentro da nossa casa -- seja ela a família, seja o espaço da paróquia -- numa crescente atenção aos outros como irmãos e irmãs na mesma fé... cristã/católica. Será que nos olhamos com ternura e compaixão? Não será que, por vezes, nos ignoramos ou até desprezamos, consciente ou inconscientemente?

* Abertura aos outros... de fora da Igreja

Não podemos reduzir a nossa vivência da fé só ao espaço dos muros do templo, temos de ser cristãos neste mundo e neste tempo. Assim devemos estar atentos aos outros... mesmo aos descrentes.

= Aos que abandonaram a fé em celebração

Nem todos os que sairam da Igreja -- templo e/ou comunidade-- têm total culpa, pois, nalguns casos, fomos nós que os excluímos. Muitos vieram às nossas celebrações e nem sempre foram bem acolhidos. Como vai o acolhimento como fé vivida?

Nalgumas situações os clientes das nossas celebrações -- sobretudo os ocasionais ou até os intermitentes -- podem ter saído ofendidos com a nossa frieza humana e menor calor cristão. Não haverá algum anonimato nas nossas Igrejas?

= Escandalizados pela nossa falta de testemunho

Não somos uma Igreja de santos e santas, embora sejamos pecadores santificados. Talvez sigamos mais ‘frei tomás’ do que ‘frei exemplo’, isto é, dizemos mais e nem sempre fazemos em coerência. Temos de ir ter mais com as ovelhas perdidas da casa de Israel do que estarmos a engordar com devoções quem já está saciado de rezas e ‘coisas do Senhor’! Como que precisamos de abandonar a ‘psicologia do sino’, que chama mas não entra no espaço da fé vivida...

= Talvez sem fé... embora crentes: ‘Átrio dos gentios’

Depois de várias experiências em diversas partes do mundo precisamos de fazer da cada paróquia/comunidade um espaço de diálogo dos gentios, onde cada um se encontre no que é essencial -- somos crentes -- e se esqueça do que é secundário ou acessório. A linha que nos separa é entre crentes e não crentes e de entre estes há muitos que procuram avidamente a Deus envolto em mistério e espiritualidades de sabor e a gosto...

Conclusão: fé na vida e vida de fé... cristã

Mais do que conclusões importa deixar interrogações:

- Viver a fé é para mim um dom, uma oportunidade ou uma categoria social?

- A fé na vida é algo que incomoda os meus critérios e valores?

- A vida de fé transtorna o meu comportamento ou cria em mim alienação de desculpa?

- Tenho algum santo/a por recurso ou como testemunha de fé?

- Quem me conhece poderá dizer que sou homem/mulher de fé?


(*) Extraído de uma palestra proferida, emViana do Castelo, 9 de fevereiro de 2013, no contexto do 35.º encontro diocesano de liturgia



António Sílvio Couto

(asilviocouto@gmail.com)

Sem comentários:

Enviar um comentário