Atendendo à riqueza espiritual e
religiosa, que é o tempo da Quaresma, parece-nos oportuno, neste
‘Ano da fé’, apresentar algumas sugestões para vivermos
(pessoal, familiar e eclesialmente) este tempo de graça em vista da
celebração do mistério central da fé cristã, que é a Páscoa de
Jesus e a nossa em Igreja católica.
*
Novidade em tradição
Sem
pretendermos recauchutar vivências populares, poderemos dar novo
sentido ou ardor àquilo que já fazemos e renovar aquilo que é
feito... quantas vezes com tanto esforço e (talvez) pouco proveito
visível!
=
Cuidar dos sinais da
caminhada
(via-sacra, penitência, procissão do Senhor dos Passos)
Estas
vertentes de fé popular têm grandes possibilidades de serem vividas
com novo ardor e usando novos métodos.
-
Inovar na temática da Via-sacra:
inseri-la no projecto anual da diocese e/ou da paróquia
v.g.:
mãos, rostos, pecados (capitais ou sociais), obras de
misericórdia... pés (caminho... corda);
-
Vivenciar a celebração do Sacramento
da Penitência: não
repetir ou socorrer-se do que outros fizeram... cada um deve fazer a
sua caminhada, por forma a viver a dinâmica de contínua de
conversão... Cada ano deveríamos, senão ao nível diocesano pelo
menos ao nível arciprestal, criar um novo exame de consciência de
caminhada comunitária... coordenada.
-
Procissão dos
Passos: fazer uma
espécie de ‘desfile’ de santos poderá ser útil para certas
vaidades, mas talvez possa ser pouco cristão na forma e no
conteúdo. Incluir encenações e momentos de anúncio vivencial da
Palavra de Deus serão oportunidades a cuidar nesta época em que a
fé do templo nem sempre tem sintonia com a fé da rua... Podemos e
devemos fazer melhor!
=
Não entrar na rotina
(vivência do
jejum/abstinência
- porquê e para quê? razões, hoje)
A
rotina mata o amor! Por isso, certos ritos, mesmo que simples, como
que podem fazer perigar a intensidade de comunhão cristã. O tema da
‘abstinência/jejum’ põe-nos, humana e espiritualmente, uma
proposta de sacrifício
assumido numa
comunhão com quem passa dificuldades, gerando em nós mesmos uma
supressão de algo que pode até ser excessivo...
=
Ousar propor pequenos
gestos (pessoais,
familiares, paroquiais)...de partilha/caridade (renúncia
quaresmal - que
sentido? que razão?)
Inseridos
no espírito de caridade, a renúncia quaresmal faz-nos participar
com gestos -- mais do que por meras palavras -- de partilha e em
abertura à catolicidade da fé cristã.
*
Fidelidade ao Espírito Santo
Em de tudo
a nossa vivência da fé acontece na Igreja, com a Igreja e pela
Igreja Igreja, pois esta nossa mãe nos dá as condições para
nascermos (pelo baptismo), nos alimentarmos (pela eucaristia) e de
nos reconciliarmos (pela penitência) todos com Deus e uns com os
outros.
=
Na Igreja: cuidado
comunitário
Somos
parte de um todo eclesial e não meras fatias de um conjunto. Assim,
tudo o que possamos fazer ou propor que possa aproveitar ao bem dos
outros. Nos mais diversos serviços da Igreja deveríamos sentir-nos
representados por quem está noutros trabalhos que não o nosso e não
em concorrência pela visibilidade do nosso ‘eu’... Quando alguém
canta bem sentimo-nos engrandecidos ou temos uma certa inveja? Quem
exercita a caridade fá-lo em nome de todos ou como uma espécie de
trabalho ‘seu’?
=
Com a Igreja:
pelas mãos uns dos outros
Não temos
direito de impor as nossas devoções aos outros, mas antes devemos
lançar sementes para que outros cresçam por si mesmos. Talvez ainda
vivamos um certo infantilismo da fé e da não-corresponsabilidade em
Igreja. Será que os leigos se sentem de corpo inteiro, pela sua
vocação e missão, no exercício dos seus dons? Não será que, por
vezes, há alguns leigos a fazer de padres e certos padres à maneira
de leigos?
=
Pela Igreja:
humildade e serviço
Na medida
em que nos consciencializarmos do nosso lugar na Igreja assim
estaremos ao serviço uns dos outros com humildade e atenção
fraterna. O serviço do amor deve começar dentro da nossa casa --
seja ela a família, seja o espaço da paróquia -- numa crescente
atenção aos outros como irmãos e irmãs na mesma fé...
cristã/católica. Será que nos olhamos com ternura e compaixão?
Não será que, por vezes, nos ignoramos ou até desprezamos,
consciente ou inconscientemente?
*
Abertura aos outros... de fora da Igreja
Não
podemos reduzir a nossa vivência da fé só ao espaço dos muros do
templo, temos de ser cristãos neste mundo e neste tempo. Assim
devemos estar atentos aos outros... mesmo aos descrentes.
= Aos
que abandonaram a fé em celebração
Nem
todos os que sairam da Igreja -- templo e/ou comunidade-- têm total
culpa, pois, nalguns casos, fomos nós que os excluímos. Muitos
vieram às nossas celebrações e nem sempre foram bem acolhidos.
Como vai o acolhimento
como fé vivida?
Nalgumas
situações os clientes das nossas celebrações -- sobretudo os
ocasionais ou até os intermitentes -- podem ter saído ofendidos com
a nossa frieza humana e menor calor cristão. Não haverá algum
anonimato
nas nossas Igrejas?
=
Escandalizados pela nossa falta de testemunho
Não
somos uma Igreja de santos e santas, embora sejamos pecadores
santificados. Talvez sigamos mais ‘frei tomás’ do que ‘frei
exemplo’, isto é, dizemos mais e nem sempre fazemos em coerência.
Temos de ir ter mais
com as ovelhas perdidas da casa de Israel do
que estarmos a engordar com devoções quem já está saciado de
rezas e ‘coisas do Senhor’! Como que precisamos de abandonar a
‘psicologia do sino’, que chama mas não entra no espaço da fé
vivida...
=
Talvez sem fé...
embora crentes: ‘Átrio dos gentios’
Depois
de várias experiências em diversas partes do mundo precisamos de
fazer da cada paróquia/comunidade um espaço de diálogo dos
gentios, onde cada um se encontre no que é essencial -- somos
crentes -- e se esqueça do que é secundário ou acessório. A linha
que nos separa é entre crentes e não crentes e de entre estes há
muitos que procuram avidamente a Deus envolto em mistério e
espiritualidades de sabor e a gosto...
Conclusão:
fé na vida e vida
de fé... cristã
Mais
do que conclusões importa deixar interrogações:
-
Viver a fé é para mim um dom, uma oportunidade ou uma categoria
social?
- A fé na
vida é algo que incomoda os meus critérios e valores?
- A vida
de fé transtorna o meu comportamento ou cria em mim alienação de
desculpa?
- Tenho
algum santo/a por recurso ou como testemunha de fé?
-
Quem me conhece poderá dizer que sou homem/mulher de fé?
(*)
Extraído de uma palestra proferida, emViana do Castelo, 9 de
fevereiro de 2013, no contexto do 35.º encontro diocesano de
liturgia
António
Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)
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