Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 2 de julho de 2024

Ao ritmo da alienação coletiva do futebol

 


De 14 de junho a 14 de julho decorre, na Alemanha, o europeu de futebol masculino (17.ª edição): milhares de pessoas enchem os estádios, milhões seguem pela televisão, acompanhando as vinte e quatro seleções nacionais apuradas. Horas e horas a fio dedicadas ao assunto, ofuscando outros temas e situações, tanto dentro como fora de portas. Tem pairado no ar a sensação - talvez se possa considerar antes ilusão - de que a ‘nossa’ equipa poderá chegar longe na prova, mas os factos têm vindo a desmentir as pretensões...

1. Nunca como agora se conjuga tão bem a expressão latina: ‘pão e jogos’ (panem et circenses), que se referia aos senhores do império romano, no seu crepúsculo. Toda esta exaltação popular do futebol - seja em qual modalidade ou atingindo qual dos sexos - deixa perceber que algo vai mal no reino dos valores humanos e culturais. Pior ainda quando vemos associados ao fenómeno do futebol os políticos de qualquer tendência ou segundo a instância de responsabilidade: ver presidentes da nação, primeiros-ministros do país ou deputados, autarcas ou simples eleitores irmanados à volta de uma bola que rola e faz caminhar tantos interesses, não deixa de ser inquietante, revelador e, porque não, revoltante. Com efeito, parece que todos querem ser visto nas bancadas do sucesso e se esgueiram quando têm de assumir as derrotas.

2. Quem são os novos ‘heróis’ populares e económicos senão os jogadores de futebol? Quanto ganham para exibirem as suas habilidades com a bola? Um guarda-redes não é mais barato do que um avançado ou um defesa do que um marcador de golos? Por que se paga a peso de ouro um jogador que fascina as multidões? A comunicação social não dedica mais tempo ao futebol - sobretudo em quantidade que não em qualidade - do que aos problemas sociais, culturais e políticos? Na hierarquia das questões tratadas ao nível público não haverá um exagero de tempo e de investimento económico sobre as coisas do futebolês? Repare-se num certo chauvinismo quando jogam as seleções de futebol de cada país: tudo se esquece pela vitória contra os adversários, que, por vezes, são tornados inimigos... de estimação.

3. A exaltação das qualidades humanas de certas figuras do futebol, quando morrem, parecem funcionar como escape para a tentação de que se pode ser ‘boa pessoa’ sem necessitar de qualquer vivência religiosa e tão cristã, numa espécie de consagração laica sem Deus. Daquilo que conheço algo disto perpassou pela existência de alguns recentemente falecidos. Para além da representatividade clubística com que facilidade se faz de algum jogador de futebol uma figura tanto ou mais importante do que um herói de guerra ou uma personagem da cultura. O desgaste rápido da profissão de jogador de futebol faz dele alguém que cresce depressa, ganha dinheiro, gasta-o à pressa e cai facilmente na miséria ao final da vida...

4. À exceção nítida dos jogadores procedentes da cultura latino-americana poucos são aqueles que incluem Deus nas suas referências de vitória. Em muitos vemos que o sucesso se deve à sua laboriosa habilidade e ao aproveitamento dos seus talentos para renderem muito dinheiro aos intermediários nas transferências. Com que atração tantos jovens (ou mesmo crianças) se deixam seduzir pelo sucesso do futebol, visto como sentença de consagração rara e de grande esforço...

5. Diante da hegemonia do futebol sobre a maior parte dos outros desportos, importa questionar se este é escola de valores, num trabalho em equipa e pelo desenvolvimento em favor dos outros das qualidades pessoais. Como se aceitam as derrotas ou as vitórias. Até que ponto se aprende com os erros, assumindo cada um as suas responsabilidades. Tal como no resto da vida ninguém ganha sozinho e também não perde só. Por vezes um pouco de humildade faz crescer mais do que ter sucesso, pois este só no dicionário aparece antes de trabalho..



António Sílvio Couto

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Equívocos políticos... recentes

 

Qual o real alcance da designação de António Costa para presidente do ‘conselho europeu’? Isso tem algum significado para o nosso país? Que temos - nós portugueses - a ver com o resultado (parcial ou definitivo) das eleições legislativas em França? As leituras feitas não escondem alguma ideologia à mistura? Um mês de futebol (no europeu masculino) deu para enganar os problemas reais ou serviu para os esconder ardilosamente?

1. O percurso de acesso do ex-primeiro ministro à designação a este posto da União Europeia tornou-se um pouco serôdio com comparsas e adversários - aqui e lá fora - a fazerem deste processo um folhetim com avanços e recuos, com soluções e contradições, com jogadas de bastidores e declarações de circunstância. Qual o significado do posto europeu que António Costa vai ocupar... só lá mais para o final do ano civil?
Vejamos o que é e como funciona o lugar que António Costa vai ocupar:
- O ‘conselho europeu’ (CE) é uma instituição oficial da União Europeia desde 2009 situada em Bruxelas, na Bélgica. Tem como função estabelecer as diretrizes e as prioridades políticas gerais da aliança europeia. Contudo, não negoceia nem adota a legislação. Esta instituição europeia também define a política externa e de segurança da UE, nomeia os candidatos para determinados altos cargos das instituições europeias, como por exemplo a presidência da Comissão Europeia ou quem irá liderar o Banco Central Europeu. Nalguns casos, o CE também pode incentivar a Comissão Europeia a elaborar uma proposta que será legislada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia.
- O CE é composto pelos chefes de Estado ou de Governo de cada um dos 27 Estados-membros, pelo presidente do CE e o presidente da Comissão Europeia.
- O Conselho reúne-se quatro vezes por ano, mas podem ser agendadas reuniões extraordinárias, no caso de ser necessário debater questões urgentes. Estas são convocadas pelo presidente.
- O presidente do CE lidera esta instituição convoca e preside as reuniões, deve preparar os assuntos que vão ser discutidos nestas reuniões em conjunto com o presidente da Comissão Europeia e ajuda os dirigentes da UE a alcançarem um consenso. Também informa o Parlamento Europeu sobre os assuntos debatidos e as decisões tomadas nestas reuniões.
- O presidente do Conselho Europeu é a figura que representa a UE nas cimeiras internacionais (geralmente acompanhado pelo presidente da Comissão Europeia) e em assuntos que se relacionem com a política externa e segurança comum, em conjunto com o representante da União para os negócios estrangeiros e a política de segurança.
- O mandato do presidente do CE tem a duração de dois anos e meio e pode ser renovável uma vez. O presidente está impedido de exercer qualquer mandato nacional em simultâneo com as suas funções do CE.

2. Quanto às eleições francesas a questão tem algo de bizarro senão de funesto: o resultado se não for de acordo com certas forças partidárias parece infetado de não democrático. Mas o voto de uns é menos válido do que o de outros? Lá como cá a (dita) esquerda acha-se dona e senhora do poder e quando o veem a fugir das mãos arranjam epítetos para assustar tudo e todos. Certos jornaleiros de serviço deixam cair com facilidade a máscara e vociferam cobras-e-lagartos contra os que não são da sua coloração. A Europa está a mudar e muitos não sabem (ou não querem) ver quais as razões, preferem usar a técnica da acusação sem assumirem a incompetência e o falhanço dos seus métodos e meios.

A disputa na rua do poder não pode sobrepôr-se ao resultado dos votos expressos pela maioria do povo francês ou cairá a face do país da ‘liberdade-igualdade-fraternidade’ que tantas lições quis dar ao mundo!

3. ‘Pão e jogos’ continua a ser a clássica tática da Roma antiga... E o futebol é, hoje, disso referência!



António Sílvio Couto