Agora que parece que tudo, quase em manada, vai para férias – não consigo compreender porque todos têm de feriar em tempo de agosto e/ou do verão – há questões que podem e devem ser refletidas, se mais não seja para termos assunto para esse tempo que se deseja possa ser uma oportunidade de descanso.
1. Vejamos alguns dados disponíveis sobre o tema no quadro da união europeia (escrevemos com minúsculas por contraste com as pretensões em queremo-nos ver e em que vejam esta porção do Planeta como grande potência, que não o é de verdade) e com percentagens à nossa medida.
– Em 2022, mais dois milhões de pessoas na União Europeia não tinham dinheiro para ir de férias, em comparação com o ano anterior;
– Em França, onde, embora ainda abaixo da média da UE, quase cinco milhões de pessoas não puderam ir de férias;
– Na Irlanda, 14,8%, entre 2021 e 2022, era o número de pessoas entre a população ativa do país que não podiam pagar férias;
– Há 13 países onde a situação é pior do que a média de 14,6% do bloco, com a Roménia na cauda, com 36%;
– Cerca de metade dos trabalhadores europeus considera que o stress é comum no local de trabalho e que é uma das questões mais problemáticas em matéria de segurança e saúde no trabalho;
– 62% dos residentes da UE fizeram pelo menos uma viagem turística pessoal em 2022 e metade delas foram curtas e domésticas;
– Os alemães são os que gastam mais dinheiro em viagens internacionais, com 85,2 mil milhões de euros, seguidos de França, com 39,2 mil milhões de euros.
2. Recolhidos estes dados – segundo vários indicadores de entidades europeias ligadas ao mundo do trabalho e da economia – precisamos de olhar para a nossa realidade portuguesa, naquilo que tem de semelhante ou que possa ser mais específico. Desde logo se nos depara com a possibilidade ou não de que as pessoas possam ter férias em família e como família. Com efeito, nunca como agora se encheu a boca com a palavra ‘família’ e, dá a impressão, de nunca como até agora se fez tão pouco por esta realidade essencial da sociedade. Desde logo se deve explicar o que se entende por ‘família’ e de não nos servirmos do conceito que nos faça conveniência. Alguns entendimentos e práticas de ‘família’ são tão amplos, desconexos e complexos que melhor seria inventar outra terminologia para que se não de fale de forma igual daquilo que é, manifestamente, diferente. Veja-se a inclusão dos animais – de estimação, de companhia ou de proteção, nesse conceito de ‘família’. Certas tendências – mesmo do âmbito legislativo – deixam muito a confundir quem tenha da família um conceito mais humano e sob a conduta judaico-cristã. Dá a impressão que, sob a capa da confusão (assumida ou presumida), se vão tentando formas e fórmulas para desacreditarem a família, como célula da sociedade e vínculo de estabilidade…humana e cultural.
3. Muito mal vai um país ou uma economia se alicerçada só no turismo, vimo-lo aquando da recente pandemia (2020-2023). Ora, neste momento, o nosso tecido económico está fundado nesse aliciante, que ora pode ser lucrativo, ora poderá desabar em breves instantes. E, se quem conduz a política social e económica, tiver um mínimo de visão saberá que as apostas e propostas de investimento têm de ser continuamente aferidas, tanto aos objetivos, quanto às opções em cada momento. Olhemos, por isso, alguns dos aspetos dos tempos mais recentes: as poupanças dos emigrantes já não têm o mesmo significado nem o resultado; o investimento com fundos europeus já foram chão com resultados baratos; as grandes obras de regime foram… Ainda não aprendemos a lição de que ‘nem tudo o que reluz é ouro’!
4. Aquelas férias de promoção de estatuto social podem iludir durante algum tempo e uns tantos, mas depressa caem. Os lugares da moda passam e as deceções emergem. Verdade, a quanto obrigas!
António Sílvio Couto
Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.
terça-feira, 30 de julho de 2024
segunda-feira, 29 de julho de 2024
Provocantemente bacoco
A França laicista deu o melhor de si, quando, na abertura dos jogos olímpicos, nna sexta-feira, dia 26 de julho, quis incluir na dita abertura do evento apresentou uma rábula do quadro da ‘Última ceia’ de Leonardo da Vinci, usando uma drag queen ladeada de dançarinos...naquilo que queriam que fosse a réplica de uma passagem do deus grego do vinho e não uma alusão à cena cristã.
Passadas horas do acontecimento surgiram reações da paródia mais entendida como ato religioso cristão do que como encenação mitológica.
1. Por muito que desejem agora descartar-se da semelhança, aquilo que foi apresentado ofendeu quem é cristão e sobretudo quem não gosta de ver achincalhados os seus sinais e valores mais significativos. Num comentário simples e sincero um teólogo dominicano considerou que não mexeriam assim com Maomé. Nas reações espalhadas pelos diversos continentes gerou-se uma repulsa para com estes artistas que só olham às suas inspirações, pouco se importando com quem ofendem nas suas convicções.
2. De facto, a capacidade de ‘invenção’ artística tem vindo a denotar um vazio e um quase sem nexo, em muitos casos a roçar a ofensa e a provocação brejeira. Poderíamos considerar que esta aventura rocombolesca não passa de mais um episódio de mau gosto e de falta de qualidade. O recurso a elementos ‘lgtbq+’ são mais um degrau de quantos consideram que o cristianismo é visto como um factor de oposição às pretensões da ideologia de género, agora como que consagrado no contexto dos jogos olímpicos, como o foi já noutros eventos desportivos de grande expansão, como se deu no último mundial de futebol masculino... Pé-ante-pé se pretendem normalizar as exceções, querendo torná-las normais e recomendáveis.
3. A nota de repulsa dos bispos franceses, na manhã do dia seguinte à exibição daquela cena, dizia: “esperamos que eles entendam que a celebração olímpica se estende muito além das preferências ideológicas de alguns artistas”. Cá pela comentarice das nossas televisões logo emergiu a reação de uma certa senhora (não sei se merece este epíteto) a misturar este fait-divers dos olímpicos com as atrocidades da guerra em Gaza. Como se as coisas fossem do mesmo âmbito! Na sua douta intervenção quis trazer à liça outro quadro (‘a festa dos deuses’) que não o da última ceia. Por vezes nota-se – nesta como noutros comentadores das nossas televisões – uma razoável condescência ideológica, desde que coloque o cristianismo em situação depreciativa... Até quando teremos de aturar tais preconceitos?
4. Quem conhecer minimamente as condições históricas da evolução do cristianismo saberá que teve de enfrentar, tanto na cultura romana, quanto na civilização grega, confrontos idênticos a estes que estamos a vivenciar atualmente: a tendência ético-moral de descalabro familiar, os vários cultos idolátricos e panteístas, as vicissitudes políticas de quem se vendia e deixava comprar para estar no poder, um certo desmoronamento cívico de que os ‘jogos olímpicos’ eram uma espécie de hiato cultural com tempos ritmados pela aceitação de todos. Estamos – cristamente falando – um tempo de decadência e quase de insolvência do espiritual pelo materialismo. Desconhecer as causas não ajudará a combater as consequências: vivemos novamente numa época de ‘pão e jogos’ (panem et circenses), entretendo-nos como vulgaridades nem que para isso seja preciso depreciar os valores e os critérios com fundamento nas Escrituras Sagradas.
5. Não podemos deixar que tudo possa ser considerado igual. Se mexessem com símbolos e sinais de outros cultos religiosos, como os do islamismo, soaria outras reações. Precisamos de nos sentirmos ofendidos, defendendo os nossos sinais sagrados da fé cristã, onde a Última Ceia tem grande significado. Afinal, os traidores pululam noutras paragens. Até quando os vamos suportar sem nos salvaguardarmos do essencial?
António Sílvio Couto
sábado, 27 de julho de 2024
Temas de verão ou de devaneio?
Como quase todos os anos, numa espécie de forma cíclica, os incêndios, os programas de diversão e as festas (regionais, locais ou setoriais), a mobilidade (férias ou turismo, viagens ou coisas do religioso), os acidentes e suas consequências, as transferências de jogadores do futebol e não só (com verbas escandalosas e quase inconcebíveis), uma espécie de suspense das lides político-partidárias dentro de fronteiras…num faz-de-conta de que todos estão em ritmo de férias ou usufruindo delas.
Este ano há, no entanto, um acontecimento que deveria ser de sublime envolvimento de todos, pelo significado, abrangência e historicidade do mesmo: os jogos olímpicos, em Paris. Mais do que a competição, com os resultados apurados (uns bons e outros dececionantes), importa reportarmo-nos todos ao espírito de não-agressão da sua originalidade.
1. As temáticas do verão correm o risco de serem ofuscadas pela canícula e as apelidadas alterações climáticas… Vivendo em hemisférios diferentes quase nos esquecemos que outros estão na fase de inverno e sujeitos a condições climatéricas opostas às nossas. Por vezes falta-nos memória para compreendermos fenómenos da natureza, que deixamos perder pela velocidade a que nos querem ritmar.
2. Questões de teor mais político continuarão implacavelmente a ser notícia: as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, as eleições – só em novembro – nos Estados Unidos da América, os múltiplos conflitos no continente africano, ditos e factos de figuras, de personalidades ou de entidades… Nessa pretensa vivência global nem nos damos conta das tentativas globalísticas com que nos vão manipulando, a partir do nosso pequeno mundo. Há quem chame a este tempo de verão ‘silly season’ (literalmente: época ou estação palerma), isto é, em que as notícias são frívolas e ridículas para pessoas frívolas e sobre frivolidades… numa alusão a dar como importantes assuntos ou pessoas que de tal não têm nada…
3. O tempo de verão – como época de descanso e/ou de lazer, como etapa de reconfiguração pessoal ou familiar, como fase cultural e cívica – pode ter múltipla utilidade, assim soubéssemos aproveitá-lo. Com efeito, mais do que cuidar do corpo, pelos cuidados em fazê-lo bronzear ou de darmos mais atenção aos problemas da estética – essa ditadura de uma certa moda tipo questão iô-iô – seria, por certo, bem avisado dar espaço e oportunidade aos temas psicológicos e espirituais. Mal vai uma cultura ou uma sociedade se se limitar a cuidar e a dar promoção aos aspetos de índole meramente material, como parece ser a sociedade na qual, hoje, nos movemos e existimos. Enquanto virmos e sentirmos que as pessoas, na sua maioria, preferem o papel de embrulho ao conteúdo que é apresentado, estaremos a subverter a nossa identidade pessoal e comunitária.
4. Hoje como ontem os factos falam mais alto do que os argumentos e estes só servirão de alguma coisa, se explicarem corretamente aqueles. Mais do que um certo valor empírico podemos e devemos coadunar o que vivemos àquilo que pensamos, pois se for ao contrário corremos o risco de pensar como vivemos e não de vivermos como pensamos. Num tempo que se desenrola em grande parte movido por razões nem sempre acertadas com os valores do Evangelho, torna-se essencial discernirmos para onde vamos ou para onde queremos ir, tendo em conta que a água corre da fonte para a meta, numa simplicidade que essencialmente os simples captam, compreendem e vivem.
5. Num entendimento que seja sagaz e sábio deixaremos ser ajudados e ajudaremos quem de nós possa precisar a acertar com os critérios mais do Espírito do que da matéria, sem deixar que esta possa subjugar aquele, mas antes seja Ele a conduzi-la. Será que este verão poderá ser-nos útil para este processo de vida? Queira Deus que isto não seja um mero devaneio estival!
António Sílvio Couto
quarta-feira, 24 de julho de 2024
À procura do tempo certo
«Há um tempo certo para cada coisa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: Tempo para nascer e tempo para morrer; tempo para plantar e tempo para colher; tempo para matar e tempo para curar; tempo para destruir e tempo para construir de novo; tempo para chorar e tempo para rir; tempo para ficar triste e tempo para dançar de alegria; tempo para espalhar pedras e tempo para ajuntar pedras; tempo para abraçar e tempo para deixar de abraçar; tempo para procurar e tempo para perder; tempo para guardar e tempo para jogar fora; tempo para rasgar e tempo para costurar; tempo para calar e tempo para falar;tempo para amar e tempo para odiar; tempo para lutar e tempo para viver em paz» (Ecl 3,1-8).
1. Diante deste texto das Sagradas Escrituras posso e devo rever-me muitas e inúmeras vezes. Mais forte me deu a necessidade ao ler uma frase do Padre Raniero Cantalamessa – que fez noventa anos de vida por estes dias, ele que é pregador da casa pontifícia quase há vinte e cinco anos e nos pontificados dos três últimos papas – com quem tenho aprendido muito em ensinamentos ao vivo, em várias oportunidades e lugares e pelos seus escritos abundantes e significativos. Dizia Frei Cantalamessa, reportando-se a Santo Agostinho – seu inspirador teológico – que, para se colocar “nos passos de Deus”, para se tornar consciente d’Ele, é preciso entrar no próprio coração. “Como Agostinho nos diz, se não voltarmos para dentro de nós mesmos, se não nos retirarmos um pouco da exterioridade, do barulho, não poderemos encontrar o Deus vivo”.
2. Num tempo ávido de sensações exteriores, ultra-sensoriais ou mesmo excessivamente hedonistas, torna-se essencial acolher as linhas-forças do texto do livro do Eclesiastes, numa tradução simples da força da Palavra de Deus em nós e no nosso interior mais profundo. Os paradoxos - contrastes e provocações - do autor sagrado: nascer-morrer; plantar-colher; matar-curar; destruir-construir; chorar-rir; triste-alegre; espalhar-ajuntar; abraçar-não abraçar; procurar-perder; guardar-lançar fora; rasgar-costurar; calar-falar; amar-odiar; lutar-viver em paz. São catorze antíteses com forte expressão da sensibilidade humana, mais do inteletual ou racional. Aqui podemos encontrar a força da emotividade e de tudo nos faz ser para além da vertente dita da inteligência.
3. Precisamos de considerar a nossa – pessoal ou comunitária – conduta muito para além daquilo que se pode percionar ou mesmo quantificar. A dimensão QE – coeficiente de emotividade – torna-se cada vez mais essencial para nos conhecermos e nos darmos a conhecer no relacionamento com os outros. Não será por aqui que se pode medir a maturidade das pessoas? Não será, neste contexto, que todos temos algo a receber e um pouco a ‘ensinar’? Por vezes o silêncio é a melhor escola!
4. Retomando chavões que nos podem servir da ‘exame de consciência’ talvez possamos aqui incluir essa análise das etapas de vida da pessoa: até aos vinte anos posso tudo (a força física); dos vinte aos trinta - sei tudo (o conhecimento sabichão); dos trinta aos quarenta - tenho algo a aprender (vamos reconhecendo que o saber é de vida e não o da instrução); depois dos cinquenta - não sei nada (a abertura à sabedoria)...
5. Queira Deus que sempre cresçamos na humildade pela verdade!
António Sílvio Couto
segunda-feira, 22 de julho de 2024
Desmotivação: razões ou desculpa?
É algo que, desde muito novo, me interpela: quais as razões que nos levam a vermos pessoas a desmotivarem-se, quando, em tempos foram tão empreendedoras e com múltiplas ideias? Foi o tempo que as fez descair ou houve interferências não-explicáveis? Poderemos encontrar as causas sem com isso arranjarmos desculpas? Será possível assumirmos os nossos erros, falhas e pecados sem termos de envolver outros, direta ou tacitamente? A idade fará amadurecer ou ajudará no risco de desistir?
1. Conheci pessoas – digo-o, sobretudo, em referência a homens da Igreja – para o bem ou para o mal, que eram focos de dinamização e que com o passar do tempo e com a idade foram descaindo não nas forças só físicas, mas nos aspestos de dinâmica. Muitos deles foram pioneiros e quase-inovadores em certas áreas e matérias e, progressivamente, vimo-los a estiolar, entrando numa rotina algo atroz. Quantas vezes as dificuldades – interiores e exteriores – colocadas pelos outros foram ou são as barreiras mais ferozes para a prossecução de ideais.
2. Cada um de nós é quem é, tendo em conta as suas circunstâncias. Diz-se com alguma acuidade: mais vale cair em graça do que ser engraçado. Com efeito, este critério é suscetível de múltiplas diversidades, sendo a de coincidência de sucessões ser uma das mais simples. Por exemplo: alguém que era belicoso e criava atritos com os outros poderá ter como sucessor um outro menos dado a conflitualidades e este último terá melhor aceitação, mesmo que o anterior fosse mais capaz...humana e inteletualmente.
3. Neste contexto deixamos, mais uma vez, a estória dos anos de vida do homem/mulher:
Diz-se que, quando Deus criou o burro lhe queria dar trinta anos de vida sobre a terra, mas o burro só quis ficar com dez anos. Por seu turno, quando criou o cão, Deus quis conceder-lhe vinte anos de existência, mas o cão também só quis ficar com dez anos. Por outro lado, quando criou o macaco, Deus quis dar-lhe trinta anos sobre a terra, mas o macaco bastou-se com vinte anos.
Ao criar o homem, Deus disse-lhe que também só lhe dava trinta anos sobre a terra. Mas o homem retorquiu: Senhor, trinta anos é pouco. Dai-me os anos que os meus anteriores recusaram: os vinte anos que o burro não quis; os dez anos que o cão recusou, também os dez anos que o macaco rejeitou...e, assim, poderei viver, pelo menos, até aos 70 anos.
E Deus concordou. Por isso, até aos trinta anos o homem vive o tempo que Deus lhe concedeu. Dos 30 aos 50, é como o burro, carregando fardos para sustentar a família. Dos 50 aos 60 anos, é como o cão, passa a tomar conta da casa. Dos 60 aos 70, já cansado, vive de casa em casa, entre filhos, se os tiver, fazendo gracinhas, de quem todos riem, é como o macaco.
4. Desculpando a consonância com a idade de cada um de nós poderemos fazer um exame de consciência sobre a nossa conduta neste tempo que vivemos sobre a Terra, pois muito daquilo que nos é dado viver tem (ou pode ter) algo em conta com as expetativas com que nos conduzimos, mesmo no nosso dia-a-dia: guiados mais para a meta do que desde o ponto de partida temos mais de olhar para o que há ainda a percorrer do que ao já andado... o caminho se faz caminhando!
5. Quando se entra numa nova fase da vida em razão da mudança de espaço ou assumindo outras tarefas, é importante situar-se quanto aos lugares e às pessoas que Deus coloca no nosso caminho: são sempre sinais e guias da nossa caminhada.
António Sílvio Couto
quarta-feira, 17 de julho de 2024
Aprender a construir Igreja (26 anos e dez meses na Diocese de Setúbal)
Neste dia em que a diocese de Setúbal dá início à celebração dos cinquenta anos de ser criada, deixo um breve depoimento/testemunho da minha passagem nos últimos anos em contributo humilde e sincero.
Sem pretensão alguma de promover seja o que for ou seja quem for, tão somente gostaria de partilhar estes anos de vivência humana, cultural e mesmo sacerdotal entre os trinta e oito anos de vida e os agora sessenta e cinco... tendo passado mais de metade do tempo como padre nesta diocese de Setúbal. Recordo bons e benéficos momentos, mas também alguns duros e de difícil gestão, humana e espiritual... Estive ao serviço com os quatro primeiros bispos da Diocese de Setúbal... como pároco, vigário forâneo, membro do conselho presbiteral e do colégio de consultores.
* Junto ao mar (13 anos menos um mês, em Sesimbra)
Simbolicamente entrei em Sesimbra no dia de S. Francisco de Assis (4 de outubro) e foi sobre a sua oração da paz que proferi as primeiras e únicas palavras nesse dia.
À época decorria a ritmo bem acelerado a preparação da ‘expo98’, onde era tratado o tema dos oceanos: entrei nas lides disso que era o ‘apostolado do mar’, colaborando com o diretor nacional e entrando num assunto que me marcou no ser e no fazer... mesmo depois desse acontecimento cultural e tendo assumido, entre 2008 e 2014 a responsabilidade de diretor nacional.
Ocorria ainda o triénio de preparação para o ‘Jubileu do ano 2000’. Isso foi motivação para desenvolver as ‘conferências quaresmais’, iniciativa que reuniu, durante treze edições, quase oito dezenas de figuras da Igreja, da cultura e mesmo da vida social. De facto, foi pela formação – em reuniões e pela escrita – que investimos e fomos ganhando a simpatia dentro e fora da Igreja. Cheguei a escrever, em simultâneo, em três jornais que se publicavam na região, alargando o âmbito a outros espaços geográficos e culturais Tentando reorganizar as forças fui percebendo que havia condições para ir mais além, dada a recetividade das pessoas e o acolhimento às propostas apresentadas: participar com um grupo da igreja nas marchas populares, incentivar o enfeite do adro pela mesma ocasião...
Numa localidade onde havia ‘os de cima? (da igreja) e ‘os de baixo’ (da capela), foi preciso algum tato e tempo para unir as duas sensibilidades e fazer uma só paróquia, onde a devoção ao Senhor Jesus das Chagas era (é) charneira social, cultural e espiritual de todos e de cada um. Que dizer do tempo de novena e da procissão a 4 de maio! Era o grande momento humano e espiritual!
Umas das mais significativas iniciativas foi o ‘Curso alpha’, que no espaço de três anos cativou mais de meio milhar de pessoas para a participação e frequência da Igreja.
* Riba Tejo (14 anos menos um mês, na Moita)
A 29 de agosto de 2010 dei entrada na Paróquia da Moita: cerca de trinta quilómetros de distância, mas com grandes diferenças do meio e das pessoas. A contra-gosto tive de aceitar uma paróquia que tem centro paroquial – coisa pouca para quem não foi preparado para ser gestor e tão pouco ‘patrão’! Mesmo sem grande conhecimento chegava a uma paróquia onde tinha havido um conflito envolvendo o agrupamento dos escuteiros, que, por sinal, estavam noutra paróquia. Soube mais tarde que o senhor Bispo quis colocar-me na Moita para derimir as contendas como tinha – segundo ele – acontecido em Sesimbra. Decorrido um ano, em 2011, os escuteiros tinham voltado ao contexto paroquial normal.
Acreditando que as propostas feita na paróquia anterior podiam resultar na Moita ainda propus as ‘conferências quaresmais’, dois anos apenas; as reuniões de preparação da liturgia e de formação cristã; as células paroquiais de evangelização... Numa tentativa de reflexão e de aprofundamento – os três centros de culto são todos de devoção mariana – fui aproveitando sobretudo o mês de maio para, em linguagem simples, tocar aspetos de orações a Nossa Senhora e também para explicar e organizar, dentro de uma certa lógica, as procissões, todas elas com dezenas de imagens em deslocação.
O tempo da pandemia – março de 2020 e maio de 2023 – transtornou ainda mais as ténues esperanças de tentar uma edição do ‘curso alpha’...
Na vertente do centro paroquial goraram-se as tentativas de construção de um novo lar, mesmo tendo sido contemplados com o PRR, mas cujos montantes atribuídos ficavam aquém dos custos... Outros o farão!
Em resumo:
Ao longo destes anos na Diocese de Setúbal, tanto em Sesimbra como na Moita, tentei vivenciar sob duas pistas de orientação: não me verem a correr como atarefado e sabendo digerir as questões – fossem quais fossem – refletindo e escrevendo – não deixando transparecer, nas palavras ditas (particularmente na liturgia), os possíveis azedumes íntimos nem as ‘naturais’ agruras pessoais.
Tive a graça de ter acesso à possibilidade de submeter alguns textos para publicação: na Paulinas Editora (20 títulos, desde 2007), na Paulus (dois títulos), na Editorial AO (dois títulos) e vários outros (num total global de mais de quarenta títulos) ainda sob a responsabilidade de associações e órgãos de comunicação social.
Sinto e rezo: depois de terdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei: somos servos inúteis, só fizemos o que devíamos fazer!
António Sílvio Couto
segunda-feira, 15 de julho de 2024
Novos na Europa, velhos na América?
Numa espécie de quase contrassenso vemos que na Europa – concretamente em França – os políticos concorrentes às últimas eleições andavam abaixo dos trinta anos, enquanto nos Estados Unidos da América os antagonistas à Casa Branca estão na barreira dos oitenta anos.
Num tempo em que a senectude é mais motivo de preocupação do que de júbilo ver a surgir ‘rapazes’ novos a candidatarem-se em França torna-se como que uma ousadia, tanto mais que o ‘inverno demográfico’ está a calcinar a velha Europa, cheia de tiques e de mazelas de uma decrepitude crescente.
1. Há dados que nos devem fazer refletir séria e urgentemente.
Em 1923 a esperança média de vida em Portugal era de 35 anos. Já em 2020 havia 2940 pessoas com idade acima dos 100 anos. A população idosa está a crescer mais de dois por cento por ano desde 2019. O número de pessoas com mais de 65 anos é agora superior aos 2,5 milhões. Um milhão de pessoas, no nosso país, vive sozinha e mais de meio milhão são idosos.
Há mais mulheres que homens, sendo que a partir do grupo etário dos 35 aos 39 anos as mulheres estão em maioria e que quanto maior for a faixa etária mais se verifica esta tendência: duas em cada três pessoas com mais de 84 anos é mulher.
2. A longevidade coloca várias questões: umas boas e outras bem mais difíceis de resolver. Se viver muitos anos é resultado de melhores cuidados de alimentação, de saúde, de habitação e mesmo de maior consciência das questões humanas e culturais, isso mesmo traz consigo problemas de sustentabilidade dos mesmos recursos de saúde, de cuidado com os mais velhos, de capacidade em que, num futuro próximo, haja meios de segurança social para todos...
3. Nota-se algum incómodo em certos setores da sociedade com este problema de se estender no tempo a vida de uma maior parte da população na medida em que surgem novos problemas, que não estavam previstos no guião de muitas subculturas. Atendendo à idade da (dita) reforma ou aposentação continua-se a pensar em critérios em que as pessoas morriam mais cedo e não era atingida a idade por agora vivida. Que irão fazer pessoas reformadas aos sessenta e cinco anos, se ainda têm capacidade de trabalhar? Naturalmente poderá ser o de encontrar outro emprego onde ocupem o seu tempo e isso lhes renda proventos maiores a curto e a médio prazo.
4. Será que este prolongamento da longevidade tem correspondência no interesse das populações mais novas? Não poderá acontecer o agravamento de um fosso ainda maior entre ‘novos’ e ‘velhos’? Segundo dizem, será a que a geração melhor preparada pela instrução já se apercebeu das responsabilidades – cívicas, culturais, de segurança social ou de saúde, ao nível espiritual – sobre os ‘seus’ mais velhos? Até que ponto os mais novos cuidam dos mais velhos, sabendo que estes são a marca do seu futuro garantido?
5. De facto, a leitura extrema (ou mesmo extremada) entre franceses e americanos pode e deve fazer-nos refletir, pois dessas duas culturas de um de do outro lado do Atlântico sempre nos vieram as tendências de caminho na nossa cultura ocidental. Se uns acentuam a procedência sobre os mais velhos, outros já o fizeram e agora surgem novos rostos para a interpretação da conduta dos povos. Como temos de estar atentos não às modas – políticas, ideológicas ou culturais – mas ao sentido por onde corre a História, nisso a que alguns classificam como a ‘filosofia da história’, isto é, os meandros por onde Deus nos conduz e O percebemos a passar.
Assim o consigamos discernir, agora!
António Sílvio Couto
quinta-feira, 11 de julho de 2024
‘Não te abandonarei’... dizemos aos idosos e/ou avós
É de origem portuguesa o início da comemoração do ‘dia dos avós’, celebrado a 26 de julho: uma senhora, com seis netos, octogenária da região de Penafiel, achou que não eram tido na devida conta os avós e sugeriu que fossem lembrados em conjunto no dia da memória litúrgica de São Joaquim e Santa Ana, a 26 de julho, considerados, segundo a tradição os pais de Nossa Senhora e, por conseguinte na linha humana, os avós de Jesus.
Desde há quatro anos, o papa Francisco transferiu a celebração do ‘dia dos avós’ para o domingo seguinte àquela data litúrgica. Este ano acontece a 28 de julho, com o tema - «Na velhice, não me abandones». Respigámos alguns pontos da mensagem papal.
- Segundo a Bíblia, é sinal de bênção poder envelhecer.
- Na Bíblia, encontramos a certeza da proximidade de Deus em todas as estações da vida e, simultaneamente, o temor do abandono, especialmente na velhice e nos períodos de sofrimento. Não se trata duma contradição. Se olharmos em redor, não teremos dificuldade em constatar como tais expressões espelham uma realidade bem evidente. A molesta companheira da nossa vida de idosos e avós é, com frequência, a solidão.
- Muitas são as causas desta solidão. Em tantos países, sobretudo nos mais pobres, os idosos vivem sozinhos porque os filhos foram obrigados a emigrar. Depois, nas numerosas situações de conflito, quantos idosos ficam sozinhos, porque os homens – jovens e adultos – tiveram de ir combater, e as mulheres, sobretudo as mães com crianças pequenas, deixam o país para dar segurança aos filhos. Nas cidades e aldeias devastadas pela guerra, permanecem sozinhos muitos idosos e anciãos, únicos sinais de vida em áreas onde parecem reinar o abandono e a morte.
- Se pensarmos bem, está hoje muito presente por todo o lado esta acusação, lançada contra os velhos, de «roubar o futuro aos jovens»; sob forma diversa, aparece mesmo nas sociedades mais avançadas e modernas (...) O contraste entre as gerações é um equívoco, um fruto envenenado da cultura do conflito. Opor os jovens aos idosos é uma manipulação inaceitável.
- Quando se considera que a solidão e o descarte dos idosos não são casuais nem inevitáveis, mas fruto de opções – políticas, económicas, sociais e pessoais – que não reconhecem a dignidade infinita de cada pessoa.
- Há hoje muitas mulheres e homens que procuram a própria realização pessoal numa existência tão autónoma e desligada dos outros quanto possível. A recíproca pertença está em crise, acentua-se o individualismo; a passagem do «nós» ao «eu» constitui um dos sinais mais evidentes dos nossos tempos. A família, que é a primeira e a mais radical contestação da ideia de nos podermos salvar sozinhos, é uma das vítimas desta cultura individualista.
- A solidão e o descarte tornaram-se elementos frequentes no contexto em que estamos imersos. Têm múltiplas raízes: nalguns casos, são o resultado duma exclusão planeada, uma espécie de triste «conjura social»; noutros, trata-se infelizmente duma decisão própria; noutros ainda, suportam-se fingindo que se trata duma opção autónoma. Cada vez mais «perdemos o gosto da fraternidade».
- Mantendo-se junto dos idosos, reconhecendo o papel insubstituível que eles têm na família, na sociedade e na Igreja, também nós receberemos muitos dons, tantas graças, inúmeras bênçãos.
- À atitude egoísta que leva ao descarte e à solidão, contraponhamos o coração aberto e o rosto radioso de quem tem a coragem de dizer «não te abandonarei!» e de seguir um caminho diferente.
* Mais do que lições moralistas desejamos, neste IV dia mundial dos avós e idosos, tomar mais consciência da larga fatia de pessoas mais velhas em Portugal. Em 1923 a esperança média de vida no nosso país era de 35 anos. Já em 2020 havia 2940 pessoas com idade acima dos 100 anos. A população idosa está a crescer mais de dois por cento por ano desde 2019. O número de pessoas com mais de 65 anos é agora superior aos 2,5 milhões.
* Um milhão de pessoas, no nosso país, vive sozinha e mais de meio milhão são idosos.
* Há mais mulheres que homens, sendo que a partir do grupo etário dos 35 aos 39 anos as mulheres estão em maioria, sendo que quanto maior for a faixa etária mais verifica esta tendência: duas em cada três pessoas com mais de 84 anos é mulher.
António Sílvio Couto
terça-feira, 9 de julho de 2024
Não poderemos estar sob escuta?
De há uns tempos a esta parte tem-se tornado recorrente ouvirmos falar de ‘escuta telefónicas’, na maior parte das vezes como sendo uma peça importante – o que não quer dizer essencial – em processos de justiça. Nalguns casos a noticiação de que foram feitas ‘escutas’ têm já anos ou décadas de realização, noutras situações serviram para fazer cair o governo ou motivar demissões de políticos, mas em quase todos os casos essas ‘escutas’ têm lançado suspeitas sobre as vítimas, tornando-as, com relativa facilidade, réus em complexas (apelidadas) investigações.
1. Em que condições podem ser feitas ‘escutas telefónicas’?
Segundo a Constituição da República Portuguesa, artigos 32.º, n.º 8 e 34.º, n.º 4 e ainda no Código de Processo Penal, artigos 127.º e 187.º e seguintes. As escutas só podem ser realizadas se se reunir um conjunto de condições bastante exigente (como não poderia deixar de ser, dada a natureza constitucional da inviolabilidade dos meios de comunicação privada). Assim, só se podem realizar escutas quando estiverem em causa certos crimes com um mínimo de gravidade. As escutas só são autorizadas se forem indispensáveis para descobrir a verdade ou se fosse impossível ou muito difícil obter prova de outro modo. A autorização tem de ser dada por despacho fundamentado do juiz de instrução, após requerimento do Ministério Público.
Diante desta legislação não se terá andado a subverter não só a Lei como o bom senso para conseguir encontrar meios de provas, nalguns casos de duvidosa utilidade? Pior é quando se prolonga este processo no tempo e no espaço...
2. Por que deixaram afundar a justiça?
Não deixou de parecer uma rábula mal amanhada essa iniciativa de um conjunto razoável de ex-políticos terem-se mobilizado para contestar o modo como se tem usado a justiça para ‘caçar’ políticos em (possíveis) infracções. Com efeito, muitos deles tiveram em mãos a possibilidade de fazerem leis claras, justas e úteis para todos, mesmo para eles. Não é sobretudo no Parlamento que são feitas as leis pelas quais se rege a justiça deste país? Por que demorou tanto tempo a consciencalizarem as lacunas, foi por falta de argúcia ou por negligência que alguns pormenores não foram atendidos? Certas movimentações em desfavor da justiça denotam que este poder está perigo pela ação – ou inação – da capacidade legislativa? Apesar do leque de deputados ter por maioria pessoas saídas do meio jurídico, terá justificação este descrédito de uns para com os outros?
3. Este assunto da normalização do setor da justiça não se compadece com lutas nem truques ideológicos. Urge, por isso, encontrar meios e forma de cada um fazer o seu trabalho sem ter de desconfiar ou de andar a esconder seja a quem for. Não adianta dizerem que vivemos numa democracia se a justiça não for justa, equitativa e acessível a todos. A incapacidade de resolver este assunto é o mias grave do tempo que vivemos, pois nada nem ninguém está livre de ser escutado, acusado ou mesmo privado da liberdade por um erro da justiça.
4. Algo de tenebroso tem vindo a emergir no tecido social que pode – numa visão e leitura extrema – colocar qualquer um de nós em má situação: a denúncia anónima. Vejamos teoricamente em que consiste a ‘denúncia anónima’ e como poderemos hipoteticamente ser atingidos por esse mecanismo sem rosto.
A comunicação ‘denúncia anónima’ consiste numa forma de fazer chegar às autoridades competentes informação sobre a preparação ou o cometimento de crimes cuja denúncia possa pôr em risco a segurança do cidadão que transmite a notícia ou a segurança de terceiros. Desse modo, para as situações que careçam de participação criminal do ofendido a ‘denúncia anónima’ não é uma queixa-crime. Caso pretenda apresentar uma queixa-crime poderá fazê-lo em qualquer serviço de polícia ou do Ministério Público, ou em alternativa através da página eletrónica da Polícia Judiciária para o efeito, mediante a utilização da funcionalidade ‘queixa eletrónica’.
Deste processo poderá decorrer tanta coisa, que, por ser séria, não nos pode eximir de estarmos sob suspeita...sempre.
António Sílvio Couto
sexta-feira, 5 de julho de 2024
S. Telmo no dia ‘domingo do mar’
Todos os anos, no segundo domingo de julho, é celebrado o ‘domingo do mar’. As comunidades católicas de todo o mundo rezam por aqueles que trabalham no setor marítimo e por aqueles que zelam por eles. Para marcar a ocasião, o Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, Cardeal Michael Czerny SJ, enviou uma mensagem a todos os envolvidos nesse setor e aos capelães e voluntários ativos no ministério marítimo.
Por esta mesma razão, desde há quatro anos se vem celebrando a festa em honra de São Telmo neste mesmo segundo domingo de julho (dia 14), no caso, no Gaio, povoação da freguesia de Gaio-Rosário-Sarilhos Pequenos, na paróquia da Moita.
Deixamos alguns traços da mensagem do prefeito do dicastério romano e como se pretende viver a festa de São Telmo no contexto ribeirinho do Tejo, na Moita.
Da mensagem
“Os trabalhadores do mar contam-se entre os membros menos visíveis de toda a humanidade, mas é através dos seus esforços ocultos que asseguram muitas das nossas necessidades”. Tais esforços muitas vezes enfrentam injustiça, exploração e desigualdade. É por isso que a Igreja acompanha e defende os trabalhadores e, como afirma o Cardeal Czerny, “é maravilhoso quando a dignidade e os direitos destes profissionais são defendidos pelos voluntários, capelães e membros das Igrejas locais que se dedicam à pastoral do mar nos portos”.
Foi por meio do mar que a Igreja se formou e se espalhou por todo o mundo. Navegando e desembarcando em portos distantes, os apóstolos e missionários levaram a Boa Notícia até os confins da terra.
A mensagem é dirigida aos trabalhadores marítimos de todas as origens e crenças, porque aqueles que trabalham no setor vêm de todos os países e professam todas as religiões do mundo. O compromisso da Igreja é incluí-los sem distinção, a fim de crescermos juntos em compreensão e solidariedade, de modo que “as pessoas do mar possam sentir-se parte da Igreja, onde quer que se encontrem”.
O recente naufrágio ao largo da Figueira da Foz deixou bem manifesto como esta presença da Igreja católica é precisa e apreciada.
Para festa
Mais do que uma festa com teor popular, queremos e devemos honrar São Telmo, patrono do ‘stella maris’ da Moita, desde a sua origem como presença deste movimento da Igreja católica nesta paróquia. Este ano está programada uma iniciativa de índole marítima entre o cais da Moita e o espaço de acostagem das embarcações no Gaio, levando a imagem de São Telmo e, finda a qual, é celebrada a missa de domingo no espaço do parque das Canoas. Após a missa será realizada uma pequena procissão pelas ruas da localidade do Gaio.
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quinta-feira, 4 de julho de 2024
Efeito manada
Numa definição descritiva esta expressão ‘efeito manada’ pode significar a “tendência de indivíduos seguirem a opinião ou ação de um grupo irracionalmente e sem analisar os fatos ou fundamentos. Isso acontece devido à influência da opinião de grupos na tomada de decisão individual, o que pode resultar em comportamentos impulsivos”.
Atendendo a esta vivência algo complexa senão mesmo de duvidosa capacidade de sermos e de estarmos neste mundo e nesta época, talvez seja útil refletir sobre esta peça essencial da nossa mentalidade – no significado de ‘eidade’ (ser) da mente – hodierna.
1. Não será que, hoje vivemos mais sob influência – psicológica, social, cultural, económica – desta conduta em manada? Muito daquilo que nos querem impingir não fará de cada um de nós e de todos uma espécie de manada quase-irracional? Não haverá por aí mais sinais de comportamento em manada do que julgamos? O que nos fará refugiar-nos no anónimo dos outros, obnubilando a minha tomada de posição, comodismo, ignorância ou falta de sentido crítico e esclarecido?
2. Certas palavras e expressões denotam, mais do seria desejável, um efeito manada naquilo que somos, fazemos e/ou vivemos. Embora seja aplicado este termo ‘manada’ ao mundo animal (com os seus sinónimos) – vara, rebanho e outros – ele pode ter uma evolução cultural para caraterizar comportamentos e atitudes de humanos, como: opinião pública, redes sociais, multidão, opinião internacional, sondagens e estudos de opinião, inquéritos, clubes, partidos, bolha, mercado (cambial e especulativo), religião, cristandade, moralidade... e mais recentemente sem aferição totalmente consciente: ideologia de género, defesa das minorias, wokismo... Numa palavra: onde todos fazem, muitas vezes por imitação, mas poucos sabem porque, onde o anónimo se sobrepõe ao pessoal e – quantas vezes – a manipulação serve os interesses de uma tal maioria sem rosto nem identificação.
3. Atendendo a que vivemos em sociedade e que muito do nosso comportamento se faz em razão do relacionamento com os outros, corremos forte risco de incluirmos na nossa conduta alguns tiques do efeito manada. Com efeito, quase sem nos darmos conta vamos na onda de não questionarmos o porquê das coisas, a razão de ser desta forma e não de outra, o resvalar de pensarmos como os outros todos, sem disso nos apercebermos de que quase somos manipulados e levados a ir na onda como os demais, fazendo cada um de nós de um de menos...
Não serão certas modas – de vestir, de falar, de comunicarmos ou de não destoarmos do resto – resultado do efeito manada? Que diríamos de nós mesmos se nos víssemos a trajar de calças rotas – dizem que são mais caras do que as normais – só para estarmos na onda da moda? Como não estar na onda de um certo telemóvel (ou dito relógio de pulso) mais em uso, isso não pareceria uma espécie de ficarmos fora dos tempos? O designado pronto-a-vestir levou à falência os alfaiates e as costureiras e modistas para nos fazer cair na onda do todos iguais, mesmo na patetice mais barata! Este efeito manada fez de todos nós uma espécie de tropa incógnita e sem valores, ao serviço dos interesses malévolos de uns tantos que enriquecem à custa dos papalvos de serviço.
4. Na sua linguagem mais simples e popular, dizia-se: ‘Maria vai com as outras’, isto é, sem sentido crítico nem capacidade de assumir a diferença. Até quando seremos conduzidos por mãos invisíveis que fazem de cada um de nós uma mera marioneta dos seus interesses, mesmo os mais sórdidos e mesquinhos? Chegou a hora de acordar do sono com que nos têm embalado e conduzido...
António Sílvio Couto
terça-feira, 2 de julho de 2024
Ao ritmo da alienação coletiva do futebol
De 14 de junho a 14 de julho decorre, na Alemanha, o europeu de futebol masculino (17.ª edição): milhares de pessoas enchem os estádios, milhões seguem pela televisão, acompanhando as vinte e quatro seleções nacionais apuradas. Horas e horas a fio dedicadas ao assunto, ofuscando outros temas e situações, tanto dentro como fora de portas. Tem pairado no ar a sensação - talvez se possa considerar antes ilusão - de que a ‘nossa’ equipa poderá chegar longe na prova, mas os factos têm vindo a desmentir as pretensões...
1. Nunca como agora se conjuga tão bem a expressão latina: ‘pão e jogos’ (panem et circenses), que se referia aos senhores do império romano, no seu crepúsculo. Toda esta exaltação popular do futebol - seja em qual modalidade ou atingindo qual dos sexos - deixa perceber que algo vai mal no reino dos valores humanos e culturais. Pior ainda quando vemos associados ao fenómeno do futebol os políticos de qualquer tendência ou segundo a instância de responsabilidade: ver presidentes da nação, primeiros-ministros do país ou deputados, autarcas ou simples eleitores irmanados à volta de uma bola que rola e faz caminhar tantos interesses, não deixa de ser inquietante, revelador e, porque não, revoltante. Com efeito, parece que todos querem ser visto nas bancadas do sucesso e se esgueiram quando têm de assumir as derrotas.
2. Quem são os novos ‘heróis’ populares e económicos senão os jogadores de futebol? Quanto ganham para exibirem as suas habilidades com a bola? Um guarda-redes não é mais barato do que um avançado ou um defesa do que um marcador de golos? Por que se paga a peso de ouro um jogador que fascina as multidões? A comunicação social não dedica mais tempo ao futebol - sobretudo em quantidade que não em qualidade - do que aos problemas sociais, culturais e políticos? Na hierarquia das questões tratadas ao nível público não haverá um exagero de tempo e de investimento económico sobre as coisas do futebolês? Repare-se num certo chauvinismo quando jogam as seleções de futebol de cada país: tudo se esquece pela vitória contra os adversários, que, por vezes, são tornados inimigos... de estimação.
3. A exaltação das qualidades humanas de certas figuras do futebol, quando morrem, parecem funcionar como escape para a tentação de que se pode ser ‘boa pessoa’ sem necessitar de qualquer vivência religiosa e tão cristã, numa espécie de consagração laica sem Deus. Daquilo que conheço algo disto perpassou pela existência de alguns recentemente falecidos. Para além da representatividade clubística com que facilidade se faz de algum jogador de futebol uma figura tanto ou mais importante do que um herói de guerra ou uma personagem da cultura. O desgaste rápido da profissão de jogador de futebol faz dele alguém que cresce depressa, ganha dinheiro, gasta-o à pressa e cai facilmente na miséria ao final da vida...
4. À exceção nítida dos jogadores procedentes da cultura latino-americana poucos são aqueles que incluem Deus nas suas referências de vitória. Em muitos vemos que o sucesso se deve à sua laboriosa habilidade e ao aproveitamento dos seus talentos para renderem muito dinheiro aos intermediários nas transferências. Com que atração tantos jovens (ou mesmo crianças) se deixam seduzir pelo sucesso do futebol, visto como sentença de consagração rara e de grande esforço...
5. Diante da hegemonia do futebol sobre a maior parte dos outros desportos, importa questionar se este é escola de valores, num trabalho em equipa e pelo desenvolvimento em favor dos outros das qualidades pessoais. Como se aceitam as derrotas ou as vitórias. Até que ponto se aprende com os erros, assumindo cada um as suas responsabilidades. Tal como no resto da vida ninguém ganha sozinho e também não perde só. Por vezes um pouco de humildade faz crescer mais do que ter sucesso, pois este só no dicionário aparece antes de trabalho..
António Sílvio Couto
segunda-feira, 1 de julho de 2024
Equívocos políticos... recentes
Qual o real alcance da designação de António Costa para presidente do ‘conselho europeu’? Isso tem algum significado para o nosso país? Que temos - nós portugueses - a ver com o resultado (parcial ou definitivo) das eleições legislativas em França? As leituras feitas não escondem alguma ideologia à mistura? Um mês de futebol (no europeu masculino) deu para enganar os problemas reais ou serviu para os esconder ardilosamente?
1. O percurso de acesso do ex-primeiro ministro à designação a este posto da União Europeia tornou-se um pouco serôdio com comparsas e adversários - aqui e lá fora - a fazerem deste processo um folhetim com avanços e recuos, com soluções e contradições, com jogadas de bastidores e declarações de circunstância. Qual o significado do posto europeu que António Costa vai ocupar... só lá mais para o final do ano civil?
Vejamos o que é e como funciona o lugar que António Costa vai ocupar:
- O ‘conselho europeu’ (CE) é uma instituição oficial da União Europeia desde 2009 situada em Bruxelas, na Bélgica. Tem como função estabelecer as diretrizes e as prioridades políticas gerais da aliança europeia. Contudo, não negoceia nem adota a legislação. Esta instituição europeia também define a política externa e de segurança da UE, nomeia os candidatos para determinados altos cargos das instituições europeias, como por exemplo a presidência da Comissão Europeia ou quem irá liderar o Banco Central Europeu. Nalguns casos, o CE também pode incentivar a Comissão Europeia a elaborar uma proposta que será legislada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia.
- O CE é composto pelos chefes de Estado ou de Governo de cada um dos 27 Estados-membros, pelo presidente do CE e o presidente da Comissão Europeia.
- O Conselho reúne-se quatro vezes por ano, mas podem ser agendadas reuniões extraordinárias, no caso de ser necessário debater questões urgentes. Estas são convocadas pelo presidente.
- O presidente do CE lidera esta instituição convoca e preside as reuniões, deve preparar os assuntos que vão ser discutidos nestas reuniões em conjunto com o presidente da Comissão Europeia e ajuda os dirigentes da UE a alcançarem um consenso. Também informa o Parlamento Europeu sobre os assuntos debatidos e as decisões tomadas nestas reuniões.
- O presidente do Conselho Europeu é a figura que representa a UE nas cimeiras internacionais (geralmente acompanhado pelo presidente da Comissão Europeia) e em assuntos que se relacionem com a política externa e segurança comum, em conjunto com o representante da União para os negócios estrangeiros e a política de segurança.
- O mandato do presidente do CE tem a duração de dois anos e meio e pode ser renovável uma vez. O presidente está impedido de exercer qualquer mandato nacional em simultâneo com as suas funções do CE.
2. Quanto às eleições francesas a questão tem algo de bizarro senão de funesto: o resultado se não for de acordo com certas forças partidárias parece infetado de não democrático. Mas o voto de uns é menos válido do que o de outros? Lá como cá a (dita) esquerda acha-se dona e senhora do poder e quando o veem a fugir das mãos arranjam epítetos para assustar tudo e todos. Certos jornaleiros de serviço deixam cair com facilidade a máscara e vociferam cobras-e-lagartos contra os que não são da sua coloração. A Europa está a mudar e muitos não sabem (ou não querem) ver quais as razões, preferem usar a técnica da acusação sem assumirem a incompetência e o falhanço dos seus métodos e meios.
A disputa na rua do poder não pode sobrepôr-se ao resultado dos votos expressos pela maioria do povo francês ou cairá a face do país da ‘liberdade-igualdade-fraternidade’ que tantas lições quis dar ao mundo!
3. ‘Pão e jogos’ continua a ser a clássica tática da Roma antiga... E o futebol é, hoje, disso referência!
António Sílvio Couto
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