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terça-feira, 4 de outubro de 2022

Igreja sem-misericórdia?

 

Tinha acabado de ler a longa missiva que o senhor arcebispo de Braga enviou à paróquia de Joane, quando fui rezar as laudes, onde encontrei uma ‘leitura breve’, que dizia: «porque o juízo será sem misericórdia para quem não usou de misericórdia. Mas a misericórdia triunfa do juízo» (Tg 2,13).

Andei todo o dia a matutar no sentido deste texto e nas palavras algo obscuras – isto é, não-presentes – quanto ao réu do texto sobre o qual o metropolita bracarense exarou na sua mensagem. Porque me incomoda sobremaneira o silêncio de tantos responsáveis eclesiásticos, porque sinto que há um ambiente acusatório e justicialista, porque, sem esquecer as vítimas tenham o tempo que tiverem, não podemos matar – moral e psicologicamente – quem prevaricou.

Deixo esta partilha dorida, sincera e à espera de maior humanidade para com o pecador, seja ele quem for.

1. Aos que se colocaram no pedestal do juizo – os factos recentes demonstram-no facilmente – a roçar o irracional, digo, humildemente, estamos todos sob suspeita e quanto maior for o estattuto mais estará suscetível de ser acusado. Porque não sabemos quem nos possa interpretar mal e acusar; porque bastará alguém mal-intencionado para nos ‘lançar uma fama’ (calúnia, difamação); porque, como diz o povo na sua sabedoria empírica, que não devemos cuspir para o ar, pois nos poderá cair na cara; porque não é a ‘a’ ou a ‘b’ que querem atingir, mas à Igreja como instituição... cuidemos em sermos prudentes sobre quanto anda por aí espalhado!

2. Com que facilidade se deita a perder toda a história de uma pessoa – alguns com largos e longos anos de vida – pela simples razão que prevaricou há mais ou menos tempo, com maior ou menor incidência e escândalo, com implicações que devem ser julgadas pelos atos, mas não se deve matar a pessoa. Com efeito, certas possíveis figuras armadas de arrogância fazem com que se queira introduzir uma espécie de inquisição moralista, que atinge preferencialmente o âmbito da Igreja católica. Não seria mais honesto que a tal ‘comissão independente’ recolhesse as acusações de outros campos de atividade humana, como instituiçoes militares, de forças de segurança, de colégios não-religiosos, de internatos, etc? Por que a fixação naquilo que envolve quase só a Igreja?

3. Fique claro que não se pretende aligeirar as responsabilidades das más ações, mas tão-somente desejo lembrar que esses que prevaricaram continuam a ser pessoas, sofrem – digo por conhecimento partilhado – sem que os responsáveis eclesiais tenham a presença que seria desejável, mesmo que isso possa conspurcar a reputação de quem se aproxima... Dizer isto só em pensamento já seria grave, mas vê-lo na prática custa muito, mesmo para quem pouco possa ter a ver com o assunto.

4. Com todo e o devido respeito de algo em contrário, a Igreja precisa de ser misericórdia para todos os seus filhos e filhas, onde os considerados ‘prevaricadores’ são penitentes e necessitados de perdão humano e divino. Ora, quando já foram julgados e condenados – alguns passados meses ainda não tinham recebido qualquer notificação ou acusação – pela opinião (dita) pública, não será de ajudar essas pessoas a irem mais sinceramente ao encontro da misericórdia da mãe-Igreja? Esta não pode ser madrasta para com nenhuns dos fragilizados, nem as vítimas nem os acusados. Mais do que palavras azedas e condenatórias, mais do que juízos e acusações, mais do que vermos o que todos veem, precisamos de descortinar os homens e mulheres pecadores em conversão, que, afinal, somos todos nós.

5. Deus passa em nós e através de nós, servindo-se dos nossos dons e qualidades, dos nossos múltiplos defeitos e inúmeros pecados. Quem estiver sem pecado atire a primeira pedra, disse Jesus aos acusadores de mulher apanhada em adultério!



António Silvio Couto

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