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segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Abstenção: como interpretar?


Mais uma vez cresceu a abstenção nas eleições legislativas do passado dia 6 de outubro: 45,5% num total numérico de não-votantes de quatro milhões e duzentos e cinquenta mil recenseados.
Sobretudo em tempo posterior ao ato eleitoral é fácil ouvir acusações para com os abstencionistas, só faltando acusá-los dos males decorrentes da não-vitória, da derrota ou até mesmo da deceção em não ter atingido os objetivos a que se propunham…
A cifra de 45,5% pode ser equivalente à soma média dos votos dos partidos da antiga geringonça – PS e BE: 46,2; PS e CDU: 43 – sem construir outros cenários mais ou menos credíveis ou plausíveis…
No entanto, a (possível) opção da abstenção é – ou deve ser – uma preocupação para quem se possa interessar pela intervenção na vida pública/política, onde nada acontece por acaso e por onde devem passar as leituras dos cidadãos para com as consequências dos seus atos. Constatar que a abstenção tem vindo a crescer desde as primeiras eleições legislativas de 1975 – 8,5% até hoje – 45,5%...isto se excluirmos episódios de maior expressão noutras eleições, como europeias (68,6 em maio passados) e, nalgumas situações, autárquicas localizadas…
Correndo o risco de deixar uma interpretação um tanto exagerada, a abstenção poderá ser lida como escândalo, desinteresse, cobardia ou mesmo ofensa aos outros.
Desde logo fique claro que considero a abstenção como um ‘pecado’, na medida em que, sendo uma obrigação moral, para um cristão, ao não participar na votação, torna-se uma falta grave ou mesmo ofensiva para com Deus e em relação aos outros.
* Abstenção – um escândalo na medida em que se entrega a outros, aquilo que é nossa obrigação, ofendendo a memória de quantos lutaram para que fosse restabelecido este direito. Agora que podemos exercer este dever cívico não podemos, por negligência na maior parte dos casos, permitir que outros decidam por nós ou até mesmo contra nós. Numa época em que devemos participar nas coisas de todos, será um escândalo arranjar desculpas para não votar, pois, nesse dia somos todos iguais, cada um só vale mesmo um voto!
* Abstenção manifesta desinteresse, colocando a democracia em risco e podendo ela mesma afundar-se se não soubermos encontrar formas e meios para extirpar este cancro da nossa sociedade…um tanto narcotizada pelas melodias dos mais incapazes, que desta forma não serão julgados nas votações… Há fortes indícios de que a abstenção favorece os incompetentes e os pequenos ditadores, pois se não criarem condições para serem avaliados podem perpetuar-se no poder por inação dos demais.
* Abstenção pode ser entendida como cobardia – talvez um termo demasiado agressivo – mas onde estão contidos muitos dos argumentos com que boa parte dos abstencionistas se desculpam, na hora de irem votar, mas que depois assumem o papel de críticos, quando não se pronunciaram na hora própria e devida. Com efeito, a sua legitimidade como que claudica, quando não se incomodaram com votar e, posteriormente, se acham no pseudodireito de reclamar.
* Abstenção é, por isso, uma ofensa para com os outros, na medida em que não fazendo a sua parte na construção equilibrada da sociedade e se arrogam no direito de se quererem equiparar para com quem procura fazer-se corresponsável nas iniciativas e decisões em favor do bem comum. 
= Diante destas breves observações sobre a abstenção, creio que é chegada a hora de introduzir alterações na participação pelo voto: fazendo obrigatório votar e penalizando (nas regalias sociais) quem não faça? Mudando as formas de angariar votantes, vinculando mais os eleitores aos eleitos? Escortinando quem se apresenta a eleição, por forma a que não haja tanta irresponsabilidade nas (ditas) propostas eleitorais?
Tem que se fazer algo contra a abstenção, pois, por este caminho, dificilmente um eleito se sentirá legitimado, quando a maioria não se pronuncia. Será que é isto que desejam que continue? Não basta lamentar, quando são apresentados os dados da abstenção e tudo se esquece porque se ganhou. Tenham vergonha, senhores/as eleitos/as! Façamos alguma coisa de proveitoso para a democracia, estimados eleitores!   

António Sílvio Couto

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