Temos vindo a assistir a um exercício desabrido de cada
um dizer - falando ou por escrito – o que lhe apetece, por vezes, sem medir nos
termos e tão pouco na forma. Esta tendência andava pela populaça quase-anónima,
mas agora também as cúpulas entraram na onda e deixam sair sem filtro o que
talvez estivesse no pensamento ou andasse pelos comentários dos apaniguados…
Qualquer dia já só falta voltar ao desafio dos duelos
para limpar a honra ou de ser criada uma polícia de costumes para aferir da
legitimidade em proferir (averiguar, classificar e julgar) impropérios e onde
se verifique qual o castigo para os infratores, com lesados e ofensores…
1. As ditas redes sociais vieram trazer à luz do dia tantos
desses macabros desejos de falar de tudo e de todos, maldizendo e conjugando a
indisfarçável vontade tão lusitana ‘de enterrar vivos e desenterrar mortos’. Ai
de quem caía sob a alçada das ‘redes sociais’, terá um longo e penoso caminho
para se reabilitar, mesmo que seja tudo mentira e ninguém consiga comprovar
seja o que for. Com que facilidade se levantam ‘famas-e-mentiras’, normalmente
depreciando de quem se fala. Com que facilidade as pessoas entram em desgraça,
só porque alguém, querendo-lhe menos bem ou até mal, se lembra de algo que a
possa prejudicar, ofender ou difamar. E anteriormente o visado era dos últimos
a saber, agora dá a impressão que querem que seja o primeiro, mesmo para o
deitar mais abaixo do que seria expetável.
2. Foi com surpresa – ou talvez não – que ouvimos de um
responsável investido em poder e autoridade a referir-se a alguns dos seus
opositores: ‘quando tentam guinchar os queques ficam ridículos’! Será
admissível este tipo de conversa numa entrevista, mesmo que possa ser usada à
mesa do café? Quem isso afirma está ciente do alcance de tal frase ou quis dar
a entender que, em matéria de piadas, não tem muita habilidade? Como se poderá
elevar o discurso, quando se não teme que possa ofender quem ouve ou quem
discorde? Com estas e outras tiradas não andaremos a crispar mais a vida
pública e política, já de per si pouco creditada?
Se fosse de um humorista aquela frase ainda seria
admissível – e mesmo assim necessitaria de capacidade encaixe dos visados – mas
vindo de quem veio, talvez possa denotar algum exagero na forma e, sobretudo,
no conteúdo vazio e sobranceiro do exercício do poder…absoluto. Isto pode
trazer dissabores na hora da avaliação final.
3. Voltemos à democratização da maledicência, pois esta
cria mais avarias do que as frases de alguém mal dormido ou cheio de reuniões
prolongadas. O pretenso direito de ‘dizer o que penso’ deveria ser caldeado com
o salutar princípio de ‘pensar bem o que digo’, pois o meu hipotético direito
colide com os direitos dos outros e coloca-me obrigações ético/morais e de
cidadania. Não podemos considerar
benéfico que, numa sociedade com valores e em respeito pelos outros, possa
haver quem diga sem responsabilidade seja o que for sobre os demais. De outra forma entraremos num descalabro de
ilicitudes e sob a alçada de inconsequentes mentais, intelectuais e sociais.
4. Numa espécie de voyeurismo noticioso vemos proliferar
gravações, imagens, comentários e tanta outra coisa que vai servindo para criar
‘casos’, denúncias, problemas ou situações que chegam aos canais televisivos,
aos jornais e às rádios. Por vezes certos noticiários são um desfilar de
‘fontes de informação’ duvidosa e suspeita, pois que alimentados por
pseudoinformadores senão mesmo ressabiados competidores. Assim se vai
cultivando esta desresponsabilização da tarefa de jornalista, passando a ser
mais de jornaleiro, isto é, de vendedor de tiradas – muitas delas em bolha – não
confirmadas, mas que entretêm quem vê, escuta ou lê.
Já pouco falta que nos darmos por contentes se escaparmos
a esta onda de ‘notícias’ plantadas por quem nos possa desejar mal ou que
descontextualize algo que possamos dizer ou parecer fazer. Precisamos,
urgentemente, de encontrar meios para suster esta vaga de maledicência
favorecida…
António Sílvio Couto
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