1. Uma resenha histórica da devoção na Moita
Recolhemos dos dados publicados por quem se tem dedicado a estudar a Moita e as
suas origens:
A ermida, atual igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, foi construída à custa
dos moradores do lugar de Mouta, em 1631, a primeira missa ali celebrada
aconteceu no dia da Natividade de Nossa Senhora (8 de setembro), pelo padre-cura
Rodrigo Afonso.
Num assento de óbito, com data de 19 de setembro de 1680, já se alude à igreja
de Nossa Senhora da Boa Viagem; por isso não nos repugna acreditar que essa
invocação indique a instituição do novo orago da freguesia da Moita ainda que
oficialmente seja apontado o mês de julho de 1697 como sendo aquele em que se
deu a respetiva mudança.
As festas em Honra de Nossa Senhora da Boa Viagem em 28 de setembro de 1826 e
as tradicionais corridas de toiros, tiveram o seu início em 8 de setembro de
1734.
2. Significância sócio-cultural
Sendo uma festa - na dimensão social - algo móvel, pois as datas decorrem entre
a sexta-feira mais próxima do dia 8 de setembro e os dez seguintes longos e
atribulados dias de festança, vive-se a expressão ‘festa da Moita’ antes,
durante e depois do mês de setembro... propício a férias, momentos de convívio
e tudo o resto que tem ligação, sobretudo, à tauromaquia.
Embora se tenham percebido algumas intenções de retirar ao cartaz a alusão à
dimensão de ‘Nossa Senhora da Boa Viagem’, quedando-se só por dizer ‘boa
viagem’, a marca religiosa tem sobrevivido e continuará ser a razão deste
fenómeno sócio-cultural, pois envolve mais do que as coisas da diversão.
Se o cartaz de uma festa quer revelar o que dela se pretende, então, poderemos
ver três aspetos configurados nos ditos cartazes: a dimensão religiosa, com
algo alusivo a Nossa Senhora da Boa Viagem; a dimensão da festa dos toiros, com
a representação do dito animal em maior ou menor destaque; a dimensão fluvial,
com elementos integrantes do rio, diga-se, nem sempre bem tratado senão mesmo
negligenciado...
Parece-me ser digno de registo que a presença da imagem de Nossa Senhora da Boa
Viagem no espaço público tornou-se quase um ex-libris da Moita, depois que,
desde 2013, ter sido colocado um monumento público à beira-rio. Sobre este
aspeto esperamos, na ocorrência dos dez anos da sua ereção, tratar o assunto
com mais destaque e pormenor. De referir ainda que, em 2011, foram
confecionadas centenas de réplicas de Nossa Senhora da Boa Viagem num tamanho
de cerca de trinta centímetros de altura em porcelana...com boa aceitação e já
esgotadas.
3. Significado religioso
Dado que este aspeto é o essencial deste colóquio, vamos aprofundá-lo em quatro
referências: o hino a Nossa Senhora, a novena, o dia da festa com a procissão e
os dias subsequentes, naquilo que designam de ‘semana da festa’.
a)
Hino a Nossa Senhora da Boa Viagem
Nossa Senhora da Boa Viagem,
cheio de fé venero vossa santa Imagem.
Por Vós nossa alma tanto amor encerra.
Ó santa padroeira da nossa querida terra!
Padroeira da nossa terra,
pedi por ela a Jesus:
nos dê a paz em nossas almas
o pão nosso de cada dia e Sua bendita luz!
Os marítimos vão p’ró mar
sempre cheios de confiança
e nunca deixam de rezar.
Têm fé que hão-de voltar
porque Vós sois sua esp’rança.
Quando ajoelhados Vos pedimos
a Vossa doce proteção,
em nossa alma nós sentimos,
Virgem Mãe que acudis em tão grande aflição.
Surgido, segundo dados recolhidos, na década de trinta do século vinte (1931),
este hino foi composto por D. Leonor de Sousa Bastos. Ora, a letra deste hino
revela algo daquilo que seria a vida da Moita voltada para o rio, dizendo:
‘quando os marítimos vão p’ró mar’, querendo dizer que o Tejo era fonte de
trabalho e de sobrevivência... não excluindo as vissicitudes, pois diz-se: ‘têm
fé que hão-de voltar’, de olhos postos na proteção de Nossa Senhora, assim
invocada de ‘Boa Viagem’, de ida e de regresso.
Quem conheça, minimamente, a música deste hino perceberá o tom menor da mesma,
dando a entender que algo perpassa a alma sofrida de quem reza, suplica e
espera da proteção maternal de Nossa Senhora. Como dizia alguém, este hino tem
uma marca de (triste) fado religioso. Deveríamos aproveitá-lo mais nesta
singular vertente religiosa e cultural...
b)
Novena preparatória
Qualquer festa que se preze é preparada condignamente. Assim o deve ser a de
Nossa Senhora da Boa Viagem, a 8 de setembro, ‘festa’ litúrgica da natividade
de Nossa Senhora. Boa parte dos lugares onde se celebra ‘Nossa Senhora da Boa
Viagem’ localiza-a nessa data, bem como outras celebrações alusivas a Nossa
Senhora - por exemplo Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego - se enquadram
nessa data. Na Moita celebra-se liturgicamente nesse dia e, quando não coincide
com o domingo, fá-lo, mais publicamente, no domingo seguinte...nem que aconteça
ter ocorrido na segunda-feira anterior.
De alguns anos vimos a tentar fazer uma ‘novena preparatória’, tendo em conta
esse dia 8 de setembro. Assim a novena decorre entre 30 de agosto e 7 de
setembro. Já segui vários modelos, mas considero que será mais apropriado
alicerçar-nos nas ‘dores de Nossa Senhora’ (1). Deixo um desafio aos outros participantes
neste colóquio: independentemente de terem ‘novena’ ou não, talvez fosse uma
boa articulação tentarmos conjugar numa publicação conjunta, onde todos possam
dar o seu contributo, em ordem a fazermos, por ocasião da novena, uma grande
corrente de oração com e a Nossa Senhora da Boa Viagem...
c) Dia da festa - procissão
A ‘festa’ acontece, na Moita, se não for o caso de ser no dia 8 de setembro, no
domingo seguinte a esta data. Consta esse dia de domingo de missa e de
procissão. Desde a pandemia que temos vindo a celebrar a missa no espaço do
‘quintal’ interior da igreja, pois esta se tem tornado exígua para aconchegar
todas as pessoas. Sendo um ato religioso público acolhe quem dele se aproxima,
em que as autoridades civis e autárquicas podem ter um espaço reservado, quando
disso se fazem avisar...
Desde há cerca de uma década que as imagens que integram a procissão são
ornamentadas em dois espaços complementares: as duas maiores (Sagrado Coração
de Jesus e Nossa Senhora da Boa Viagem) na igreja e as vinte e duas outras no
salão paroquial, de onde saem para a procissão... Diga-se que os vinte e quatro
andores (2) são assumidos, no que se refere à ornamentação, por
aios e aias, alguns já de longa data...
Na organização da procissão tem-se vindo a fazer uma explicação de cada santo
ou santa, bem de várias imagens evocativas de Nossa Senhora, por forma a ajudar
os ‘assistentes’ a entenderem quem é levado na procissão. Esta é preparada por
uma ‘comissão’ interna da Igreja em longos meses de antecedência. Os que levam
as imagens são designados ou escolhidos com largo tempo... Há casos de
‘promessa’ nalguns andores, sobretudo, de Nossa Senhora da Boa Viagem.
A passagem da procissão pelo ‘cais’ tem algum destaque e enquadramento, tanto
através de alguma palavra exortativa em jeito de ‘sermão’, quanto naquilo que
carateriza a mesma procissão: longo tempo de foguetes...
De referir que os elementos externos ao tom religioso - bandas de música (pelo
menos três) e charanga da guarda - são suportadas a expensas da autarquia...
Numa palavra: a procissão atrai milhares de pessoas e decorre durante cerca de
duas horas e meia.
Uma nota final: nos dois anos de não-realização da festa, em razão da pandemia
(2020 e 2021), houve missa, de manhã, com os cuidados exigidos e à tarde, pela
mesma hora de outros anos, o andor com a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem
percorreu, em veículo dos bombeiros, o itinerário habitual, tendo depois
seguido a outras ruas e lugares no contexto da vila da Moita...nalguns casos
com boa recetividade de pessoas nas ruas e nas varandas dos prédios.
d)
‘Semana da festa’
Depois do domingo
da procissão, essa semana tem atos religiosos simples, enquanto nas ruas há
diversão e convivialidade. Os horários das celebrações têm sido diversos e
pouco participados.
Por vezes nessa semana a igreja paroquial é mais visitada, sobretudo por
pessoas de fora ou que se deslocam à terra-natal em regime de recordação. Por
estas ocasiões há oferta de velas e de outros atos de devoção...
Em conclusão
A festa de Nossa Senhora da Boa Viagem dá identidade à Moita, não deixa
esquecer a dimensão religiosa das pessoas e desta terra com ligação ao rio
Tejo, numa redescoberta em que o ‘Stella Maris da Moita’, recém-criado, quer
participar e dar o seu contributo para a reevanglização neste tempo... Afinal, recebemos a fé, precisamos de a viver
e de a transmitir a outros com verdade e compromisso.
1. Eis uma sugestão de esquema:
- A profecia de Simeão sobre Jesus (Lc 2,34-35)
- A fuga da Sagrada Família para o Egito (Mt 2,13-21);
- O desaparecimento do Menino Jesus durante três dias (Lc 2, 41-51);
- O encontro de Maria e Jesus a caminho do Calvário (Lc 23, 27-31);
- Maria observando o sofrimento e morte de Jesus na Cruz - Stabat Mater (Jo 19,
25-27);
- Maria recebe o corpo do filho tirado da Cruz (Mt 27, 55-61);
- Maria observa o corpo do filho a ser depositado no Santo Sepulcro (Lc 23,
55-56).
2. A lista ordenada dos 24 andores, com os
respetivos patrocínios: Bíblia Sagrada, São Pedro - Papa: pescadores, São
Miguel: paraquedistas, São Rafael: viandantes, São José: carpinteiros,
moribundos, São João Batista: doenças da cabeça, Nossa Senhora da Conceição:
padroeira de Portugal, Nossa Senhora da Atalaia: alfandegários, Nossa Senhora
dos Prazeres: alegria, Santa Luzia: vista, São Sebastião: fome, peste e guerra,
São Lourenço: diáconos e cozinheiros, São Marçal: bombeiros, Santo Amaro:
reumatismo, Santo António: coisas perdidas e casamentos, Santa Rita de Cássia:
causas impossíveis, São Luís Gonzaga: estudantes, Menino Jesus de Praga:
crianças e família, Santa Teresinha do Menino Jesus: missões, Nossa Senhora do
Carmo: guarda, Nossa Senhora de Lourdes: curas físicas, Nossa Senhora de
Fátima: penitência e oração, Sagrado Coração de Jesus: amor e desagravo, Nossa
Senhora da Boa Viagem: padroeira
(*) Intervenção no colóquio
realizado no dia 1 de dezembro, de 2022, na biblioteca municipal da Moita,
sobre a devoção a Nossa Senhora da Boa Viagem em Portugal.
António Sílvio Couto
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