Na
complexidade da não-assunção das responsabilidades (pessoais ou sociais) sói
dizer-se que a ‘culpa morreu solteira’, querendo com tal dichote significar que
os que deviam assumir o que fizeram – bem ou mal – não o assumem e/ou aligeiram
a culpa para outros, que, por seu turno, a enjeitam com ar de ofendidos sem
desculpa.
Isto é
tanto mais preocupante quanto está a percorrer as mais diversas instâncias da
presença humana no nosso país/nação, desde o âmbito mais pequeno e rudimentar
até à situação mais sinuosa de trato com as coisas públicas – é costume dizer
isto das ‘res-publica’, as coisas de todos e para todos – sem esquecer ainda o
que envolve a necessária e suficiente capacidade das zonas intermédias, como o
associativismo e as autarquias… não obnubilando até as instâncias
eclesiásticas.
1. Quando vemos figuras que ocupam
lugares de responsabilidade na decisão a aduzirem desconhecimento das regras
(leis, normativas ou obrigações), não será isso uma ostentação de culpa não-solteira,
mas de viúva remetida para a rejeição? Quando assistimos ao ‘espetáculo’ quase-degradante
de inocentizar questões de mínima responsabilidade no posto e do cargo, não
será isso uma espécie de banalização da personalidade de quem está num lugar de
forma impreparada? Quando podemos perceber que tantos correm para o poleiro,
mas se esquecem das escadas por têm de passar, não será isto uma catadupa de
intenções mal geridas em maré de crise em efervescência?
2. Efetivamente pululam na nossa
vida pública coletiva imensos exemplos da degradação ética de uma república que
mais favorece os seus apaniguados e como que protege muitos dos incompetentes
colocados nos lugares de direção em razão da ficha partidária ou da proteção das
subtis promotoras da ascensão à custa de favores, de pagamento de benesses ou
de filiações nem sempre bem explicadas. Certos peões na corrida vestem a
farpela, mas não tiraram as medidas nem foram à prova – como era costume nos
tempos de fazer a roupa por medida – e nota-se que a vestimenta está uns pontos
abaixo do que era preciso, esbordando os excessos e tornando-se alvo da chacota
geral, ou pelo menos, dos que conhecem a partitura…
3. De facto a dita ‘solteira’ – uns
sussurram em surdina que é a culpa – e outros consideram-na como que uma viúva
de má reputação desde o tempo mais juvenil, achando-a mais na tarefa de
promotora de todos os males (visíveis ou invisíveis)…No entanto, todos se
gostam de aperaltar para que ela possa fazer parte do seu círculo de amizade,
ao menos nas redes sociais. À mesa ou nos encantos da alcova, a senhora dona do
poder vai seduzindo tantos dos seus servidores, mesmo que disso não se tenham
apercebido fazerem parte da coorte real.
4. Efetivamente assumir as culpas –
ou seja só ‘a culpa’ – é algo de digno para quem sabe aquilo que é e não se
esconde nas entrelinhas da maledicência. Não precisamos de pessoas impecáveis,
mas de pecadores arrependidos. Não nos bastam só cumpridores irrepreensíveis
das leis e das regras, mas de pessoas normais que sabem que erram e disso pedem
perdão, aos outros, a Deus e a si mesmos. Não precisamos de ‘santos’ em estado
de pré-canonização, mas de homens/mulheres que se conhecem, mesmo nos seus
defeitos, e que querem estender a mão aos que com eles caminham, por forma a irmos
criando uma sociedade mais fraterna porque mais perdoada e perdoadora.
5. Tenho para comigo que as nossas
relações humanas seriam bem mais salutares se fossem alicerçadas na confiança e
na lealdade de uns para com os outros. Precisamos de despir a fatiota do
faz-de-conta para que nos conheçamos e nos deixemos conhecer. Embora a figura
do ‘palhaço’ seja necessária em certos momentos, ele precisa de ser desmontado
na hora de tratarmos dos assuntos importantes e essenciais da vida. Nada nem
ninguém viverá em paz interior nem a fará com os outros se não for verdadeiro,
assumindo as culpas e aceitando-se, quando for caso disso, como culpado.
Verdade a quanto obrigas!
António Sílvio Couto
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