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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Proibido lamentar-se…


Li, por estes dias, uma nota digna de destaque: o Papa Francisco colocou, na porta seu gabinete, um sinal associado à legenda: ‘proibido lamentar-se’.

O tal cartaz terá sido oferecido ao Papa numa audiência na praça de São Pedro. Dada a sintonia do Papa com tal proposta, ele colocou-o na porta do seu apartamento pessoal. Como qualquer outra mensagem a sua explicitação diz que ‘os transgressores sujeitam-se à síndrome de vitimização, com a consequente diminuição do humor e da capacidade para resolver os problemas’.

O tal cartaz terá sido usado pelo Papa Francisco no verão de 2017. Tanto quanto se sabe esta recomendação – ‘proibido lamentar-se’ – deu origem ou teve origem num livro dum psicoterapeuta italiano, tendo o Papa prefaciado a segunda edição, trazida a público no primeiro trimestre deste ano. 

= Apesar de ser um tanto complexo, que poderá trazer-nos esta recomendação – ‘proibido lamentar-se’, em forma quase de ironia? Não será que, uma boa parte de nós – mesmo como cristãos – não transmitimos mais esta cultura do que o seu contrário? Tão propensos que somos à lamentação/lamúria não teremos de corrigir o nosso comportamento e as nossas atitudes? Não andaremos a conjugar o verbo lamuriar-se em demasiadas formas e em tempos desnecessários? Para quando assumiremos que temos de inverter esta tendência para o desgraçadismo nacional, familiar e pessoal? 

= Como razoáveis portugueses que somos, de facto, vivemos mais na tendência para a comiseração do que para vivermos em reação às contrariedades, sejam de maior ou menor significação. É-nos mais fácil reportarmos às nossas mazelas – e com isso tentarmos atrair alguma ‘compaixão’ de situação – do que tentarmos ultrapassar a experiência amargurada pessoal, familiar, social e comunitária… Dá a impressão que lidamos melhor com as desgraças dos outros e mesmo com as nossas do que sabemos ultrapassar essa tentativa doentia em nos contentarmos com os males e menos com o que corre bem. Figura na nossa conversa, com regularidade, que vivemos melhor com os males (desgraças, infortúnios, insucessos e afins) dos outros do que com o seu contrário…

Com que normalidade falamos mais das dores pessoais e alheias do que das vitórias e dos bons desempenhos dos outros. Pior: à lamentação mais ou menos controlada tendemos a acrescentar maiores lamúrias, numa espécie de concorrência ao quanto pior melhor. Se alguém ousa queixar-se que lhe dói isto (no corpo ou na dimensão psicológica) temos tentação de acrescer, da nossa parte, algo que faça parecer-nos ainda pior do que o nosso interlocutor… 

= Numa linguagem ‘religiosa’ até procuramos socorrer-nos das palavras da (quase) lamurienta ‘salve rainha’ onde nos apresentamos ‘gemendo e chorando neste vale de lágrimas’, modificando, por vezes, a palavra ‘degredados’ para ‘degradados’ não vá alguém não-suspeitar que estamos mesmo mal e cada vez pior...     

No contexto europeu talvez mereçamos um desejado prémio do povo mais lamuriento, seja lá o que for, dá a impressão que não há ninguém mais por baixo do que nós. Se, no passado, isso foi benéfico, por agora talvez não resulte ou não dê os resultados esperados. Acrescente-se a isso que também já não somos levados a sério nas desgraças vividas e difundidas. Deram-nos os meios, temos de apresentar resultados credíveis e bem mais positivos…

Aquela imagem bucólico ruralista com a legenda: ‘quem não chora, não mama’… já fez época. Agora temos de olhar as coisas, as situações, as pessoas e os acontecimentos de frente, com realismo e sem subterfúgios desadequados à assunção das responsabilidades. Chegou a hora de sairmos do armário da lamúria para o campo da afirmação do que há de positivo em nós e à nossa volta. 

= Vamos dobrar o ‘cabo das tormentas’, fazendo-o da ‘boa esperança’ nesta afirmação de luta contra a lamúria e tudo quanto lhe está adstrito: que bom seria tornarmos cada cristão uma sentinela contra a lamúria – Portugal iria rejuvenescer e ganhar nova vida. Assim o vivamos e o sigamos, de verdade!   

 

António Sílvio Couto  

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