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terça-feira, 1 de maio de 2018

Somos todos, de verdade, trabalhadores


A velha, anacrónica e ideológica dialética entre ‘trabalhadores’ (operários, empregados ou funcionários) e outros (patrões, empresários/empregadores) como que sai das catacumbas do comportamento social/económico para a luz do dia por ocasião do ‘1.º de maio’, enquanto pretenso ‘dia do trabalhador’.

Há quem continue – sabe-se lá porque razões pessoais, culturais ou sociais – a estribar-se naqueles conceitos dialéticos que, quase dois séculos decorridos, estão em mutação acelerada, deixando alguns dos intervenientes a usarem uma linguagem ultrapassada e quase sem nexo de causalidade…entre o que se diz e como as coisas são, de verdade.  

* Ante de tudo é preciso considerar que o trabalho é uma atividade humana que não se pode medir exclusivamente pela remuneração – através do dito salário – e tão pouco se pode reduzir à contraposição entre quem gasta a força de trabalho e pelo qual é pago e esse outro que lhe paga – na maior parte das vezes, usando uma linguagem marxista, se refere que o explora – colhendo as mais-valias e o usufruto daquilo que não produziu… Não há maior engano ou manipulação do que este engulho de pretender pôr em confronto quem faz o esforço – dizem até que ‘vende a sua força de trabalho’ – e quem o administra.

Desde logo e sem qualquer rebuço temos de afirmar: somos todos trabalhadores, na medida em que participamos na obra concriadora de Deus através do nosso trabalho seja ele braçal, com maquinaria, seja de forma intelectual ou mesmo pelo pensamento na forma de novos investimentos para mais e melhor trabalho. No entanto, há tanto outro trabalho que é feito e não é pago nem tem preço, tal é a dedicação e a entrega a isso que move e motiva tantas pessoas a fazê-lo… vejamos, por exemplo, as tarefas das mães e dos pais para com os seus filhos… 

= Ao nível da doutrina da Igreja católica para as questões sociais sempre houve uma posição de valorização, engrandecimento e dignificação do trabalho. Com efeito, é pelo trabalho que o ser humano se realiza como pessoa. A Igreja Católica desde cedo teve a noção do valor do trabalho como tendo um caráter positivo, educativo e meritório (Laborem Exercens, n.os 5 e 6). Desde 1891, com a encíclica Rerum novarum de Leão XIII, que se encontramos um corpo referente à leitura da sociedade e às questões laborais. De facto, esta encíclica é tida como a magna carta da atividade cristã no campo social, nomeadamente sobre a questão operária e a doutrina católica acerca do trabalho tendo em vista a promoção de uma ordem social justa. Esta precisão foi usada por Pio XI na Quadragesimo Anno, de 1931. Se de início os papas se ocupavam sobretudo com a questão operária e outros aspetos da situação social, a forma de pensar e de viver esta vertente no trato com as questões sociais e laborais passou a ser designada de Doutrina Social da Igreja. Os acontecimentos históricos e os novos problemas sociais impeliram a Igreja a uma urgente mas duradoura reflexão, que acabou por exprimir um desenvolvimento orgânico do seu ensino, bem como os vetores de inspiração para um programa de ação… atualizado.  

De facto, nos documentos da DSI (doutrina social da Igreja) encontramos uma visão deste tema do trabalho muito mais avançado do que aquilo que dizem – e sobretudo naquilo que (não) fazem – certas forças sindicais e político/ideológicas, tendo em conta conceitos como bem comum, relação entre trabalho e capital, solidariedade e subsidiariedade… e tantas outras questões que fazem com que muitos cristãos/ãs se empenhem num sindicalismo respeitador dos outros e mesmo da propriedade privada, sem criarem clivagens com tonalidade marxista/trotskista e outros conflitos que só servem para abespinhar as pessoas e os grupos que intervêm no processo de trabalho. 

= Quando tantos ainda não têm um ordenado justo – o ‘mínimo’ nunca pode ser uma meta, mas tão só um ponto de arranque – será aceitável pugnar por mais direitos ou pela recuperação dalguns que fizeram tantas empresas capitular? Como se pode justificar que certas forças se arvorem em senhoras dos trabalhadores, quando estes não são posse de ninguém nem estão à venda em leilão? Urge dizer basta aos ‘donos’ dos trabalhadores, quando deles só têm recebido agressividade e conflitualidade…ao desbarato!           

 

António Sílvio Couto


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