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terça-feira, 20 de junho de 2017

Onda de calor…mortífero


De repente o país parou estupefato com as imagens e os números de mortos pelos incêndios. Talvez o silêncio deve-se ser o melhor tributo a quem morreu, perdeu tudo e ficou marcado para o resto da vida.

Como explicar e compreender o que nos dias 17 a 20 de junho vimos na zona centro de Portugal? Mais do que episódios de sobrevivência fomos fustigados com imagens de acusação à incapacidade de conseguir ajudar dezenas de pessoas anónimas, que vieram para a ribalta noticiosa pelas piores razões…

Os mais altos responsáveis do país político surgiram a fazer o seu papel, mas ninguém assume culpas nem consequências, dando a entender que o ‘destino’ lançou um manto de razoabilidade sobre o que – quando se está em lugares de responsabilidade – devia ser a assunção das tarefas públicas… Até foi decretado luto nacional por três dias!

O modo como foi dada a conhecer esta tragédia foi mais ou menos reservada no direito de privacidade… à exceção duma imagem em que uma pretensa jornalista de tarimba cometeu o grave erro de falar com um morto coberto em fundo na imagem… Espera-se que este ou qualquer outro deslize fora da boa ética jornalística sejam castigados sem medo nem pudor! 

= Não levarão a mal que possa trazer para aqui um episódio pessoal desta vaga de calor vivida por estes dias. Com efeito, mais do que um acontecimento restrito gostaria, desde logo de salientar a notável forma como profissionais da saúde se dedicam aos que deles se aproximam. Estava a poucos minutos da apresentação dum livro na feira do livro de Lisboa, no passado domingo, quando me senti acometido duma indisposição geral, sem quadro específico de sintomas. Solicitados os serviços de emergência fui encaminhado para o hospital de São José… enquanto a editora tentou resolver a situação com a apresentação – como estava previsto – do livro pelo professor Jacinto Farias. Não será difícil de imaginar o quadro, tal era o calor àquela hora e o que estava a acontecer duma forma um tanto inesperada. Pelo que percebi o acontecimento decorreu de forma breve e simples.

Gostaria, então, de salientar o modo como, das dezasseis às vinte e duas horas, vivi, entre tantos outros doentes, submetido a exames, a cuidados vários por enfermeiras e médicas muito jovens, mas duma dedicação sacerdotal. Dava para perceber a delicadeza para cada pessoa, fosse qual fosse o quadro ou a necessidade: era uma urgência, mas com grande serenidade e competência.

Isso mesmo referiu a irmã responsável da editora, que quando lhe foi possível também se deslocou ao hospital, salientando mesmo que estes episódios nos fazem bem para vermos o que se passa no mundo sem nos darmos conta e talvez sem valorizarmos quando as coisas não correm tão bem. 

= Excetuada esta deriva de ordem mais pessoal, não me esqueci de a ver inserida na vaga de calor geral e da situação dos fogos em particular. Tirando o agravamento climático – o que deve ser bem estudado no terreno e não sob a influência do ar condicionado dos gabinetes… da capital – por breve momentos passamos a ver que há pessoas neste país que não têm voz para se fazer ouvir e que estão confinadas à sua sorte. Era agora preciso que os sindicatos e trabalhadores da cintura da capital deviam dar de si um pouco mais para não fazermos de conta que há igualdade de direitos, mas estamos muito longe da sua prossecução. Não basta enfatizar o papel dos bombeiros e de outras forças de socorro em maré de crise, mas precisamos de criar uma consciência coletiva de atenção aos outros mais desfavorecidos ou quase marginalizados num país que se diz democrático e progressista…

Muitas e significativas iniciativas foram já lançadas em ajuda aos que perderam os seus bens: desde campanhas de alimentos, passando por um concerto solidário (com mais de vinte músicos, a realizar a 27 de junho) e incluindo chamadas de valor acrescentado em ajuda das vítimas desta tragédia…no entanto, o fisco neste caso cobra na mesma o Iva como a outra qualquer chamada de entretenimento ou concurso!

Que somos um povo solidário ninguém duvide, mas é preciso criar uma mentalidade mais conforme às lacunas da nossa cultura e civilização: ainda somos muito rurais nas ideias e no comportamento, que nem o verniz da cidade consegue encobrir ou disfarçar. Que não seja só nas horas de desgraça: o silêncio fala!        

 

António Sílvio Couto




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