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quinta-feira, 25 de maio de 2017

Numa cultura do zapping


“Se não quisermos ser vítimas da cultura do zapping e, às vezes, de uma cultura de morte, devemos incrementar o hábito do discernimento, formar-nos e formar para o discernimento”, disse o Papa Francisco, esta semana, no Vaticano, quando se dirigia às participantes no capítulo geral das Pias discípulas do divino Mestre.
“Neste tempo de grandes desafios, que exigem dos consagrados fidelidade criativa e busca apaixonada, a escuta e a partilha são muito necessárias, se quisermos que a nossa vida seja plenamente significativa para nós mesmos e para as pessoas que encontramos”, salientou o Papa, que apelou aos consagrados na Igreja católica para lutarem contra o ‘cancro da resignação’.
= Ora, perante estas considerações incisivas do Papa, poderemos perguntar se temos a noção do que é, de facto, o zapping? Como é que este pode alimentar, em nós mesmos e para com os outros, essa cultura de morte e da indiferença? Até onde e como o dito zapping será legítimo, se nos enquistar perante os outros e os seus problemas?  

O significado de ‘zapping’ tem a ver com a prática do telespectador que muda consecutiva e frequentemente de canal por meio do telecomando… podendo originar alguma ansiedade, volatilidade ou insegurança em quem usa tal recurso na busca de assuntos que mais lhe possam agradar.

– Atendendo à prevenção do Papa poderemos incluir nesta ‘cultura do zapping’ uma espécie de tentativa de criar um mundo onde os factos têm de nos agradar, de modo que se conjugue o que nos mostram com aquilo que desejamos ver…

– Isto será tanto mais pernicioso quanto nos possa fazer refugiar nalguma superficialidade pessoal ou social, mesmo nas questões mais exigentes da vida, misturando as coisas de consumismo com alguma emotividade recorrente… 

= Num tempo em que as fontes de informação são tão díspares e tão profusas, torna-se muito difícil escolher ou ser assíduo seguidor dalgum canal televisivo ou mesmo de conversa social, pois em quase nenhum se perfaz o que nos pode interessar ou mesmo convir. Com efeito, se a conversa – na maior parte das vezes é mais discussão – não me agrada não há como fazer zapping e ir à procura de algo que seja mais interessante. Se alguns dos intervenientes em programas de confronto entre tendências clubísticas ou de preferências partidárias tivessem isso em conta poderiam perceber que podem estar a falar para ninguém…mesmo fazendo um grande berreiro, na medida em que o recurso ao zapping se torna solução fácil e, por vezes, necessária… tais são os disparates desconexos.

Já lá vai o tempo em que as pessoas se deixavam ouvir, expondo cada qual o que era de interesse para a conversa. Hoje há uma tal sobreposição de conversas que o melhor disso tudo é que podemos calá-los com um simples zapping e deambular por outros espaços onde se ouça com mais nitidez a verborreia que por aí possa estar…

Deste modo o recurso ao zapping também pode funcionar como momento de avaliação da saúde mental de quem ouve, pois nada melhor do que podermos ainda fazer escolhas de quem queremos ouvir ou de quem nos pode ajudar a pensar… em coisas simples ou mais complicadas.  

= À luz das advertências do Papa Francisco temos de saber quando o zapping pode fazer de nós pessoas insensíveis aos outros ou quando nos faculta ainda a possibilidade de não nos deixarmos intoxicar por informações, opiniões ou confusões duns tantos sobre outros. Sobre a primeira vertente, teremos de não ficar anódinos sobre os sofrimentos e as dores alheias, mas antes precisamos de cultivar a boa e salutar comunhão com os que mais precisam da nossa solidariedade e do nosso apoio humano ou moral. No segundo aspeto – a autodefesa – será sempre muito útil o tal exercício do discernimento sereno e amadurecido pelas questões da vida…Ora, o discernimento é uma arte que tem de ser aprendida na vida, pois raramente alguém nasce ensinado ou vive em discernimento senão for ajudado a cultivá-lo. No discernimento não há zapping que nos valha…    

 

António Sílvio Couto



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