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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Perante certas irracionalidades do nosso tempo

Na componente de evolução da pessoa humana e dos povos, por vezes, somos confrontados com manifestações – de pessoas e/ou de grupos – onde a singularidade da dimensão racional – algo mais do meramente racionalista – como que se ofusca ou (até) obnubila diante de certos comportamentos a roçar alguma irracionalidade, onde o que seria normal nas reações se torna ‘esquisito’ nas emoções.
Há campos de atuação e de opinião onde essa irracionalidade como se torna ainda mais notória e quase incongruente. Veja-se o que acontece na vertente do futebol: pessoas de largo e consolidado gabarito perdem as estribeiras quando abordam questões do mundo do seu clube... dito do coração... sobretudo futebolístico.
Perante estas reações – quase irracionais – sentimos uma espécie de necessidade de enquadrar estas vivências, tentando discernir algo mais do que as incandescentes labaredas da paixão... irracional.

= ‘Pão e jogos’ – lema ou alienação?
Desde tempos suficientemente recuados os responsáveis do poder quiseram entreter o povo com algo que pudesse alienar as dificuldades, sobretudo em tempo de crise. Os romanos davam circo (com matanças e sangue) e pão (quanto bastasse) aos cidadãos que usufruiam dessas regalias em tempo de paz... talvez podre, mas, possivelmente, sem derramamento de sangue em guerras... com outros.
Nesse tempo a inquietação trazida pelos cristãos foi alibi para que os governantes se dessem à distração de criar perseguição, pois os malfadados ‘invasores’ vieram trazer preocupação a uma certa irracionalidade mais ou menos epicurista: foram, efetivamente, bodes expiatórios para certas consciências mais ou menos incomodadas.
Crê-se que, em épocas de crise, o recurso à alienação coletiva – onde o desporto de massas como que assume um papel preponderante – torna-se como que algo mais do que uma mera distração, podendo reverter em adiamento para as mazelas sociais pouco assumidas ou até mal disfarçadas.
- Não será que a compra e/ou venda dos atores do futebol (ditos jogadores pagos a peso de ouro e diamantes) é já um prenúncio da falência desta cultura alienatória?
- Até onde poderá ir a irracionalidade das pessoas, quando se vendem ao clubismo (mais ou menos emocional) e como que obnubilam a racionalidade... só porque está em causa a sua cor preferida?
- Será que os instruídos – o exemplo que nos serve de parâmetro (até) é médico de alto gabarito internacional – se diferenciam dos analfabetos em questões de paixão futebolística?
- Como poderemos compreender tais comportamentos: pela paixão ou na desculpa da irracionalidade?

= Discípulos humildes na escola da vida
Pela mais alta apreciação que temos pela sabedoria da vida – onde os graus de qualificação têm muitos anos de amadurecimento pelo discernimento – vamos aprendendo que a escola da vida nos pode tornar sagazes ou manhosos, dependendo do critério com que nos relacionamos com os outros:  pela confiança crescemos na sinceridade, pela esperteza vamo-nos atolando na dissimulação, tanto para connosco mesmos como no trato com os outros. Escolhemos a sinceridade, mesmo que isso nos possa trazer desilusão, pois ‘os filhos da luz’, embora menos espertos – isto não quer dizer que menos inteligentes, pelo contrário! – hão-de vencer a manha, que é sinal do ‘espírito das trevas’.

Terminámos com uma breve estória, possivelmente já conhecida e, sobretudo, refletida pelos nossos leitores.
Um pai, muito atarefado nas suas consultas na internet, era incomodado pelo filho, talvez, com quatro ou cinco anos. Farto de o aturar tentou distraí-lo com uma tarefa que ele considerava de larga ocupação. Pegou numa revista e, rasgando uma folha, onde estava o mapa do mundo, cortou em pedaços a folha, dizendo ao filho:
- Tenta recompor este mapa.
Ora a criança, muito atenta, viu que, no verso daquela página, estava a figura de um homem. Bem depressa descobriu que, mesmo não conhecendo o mapa-mundi, podia recompor a figura do homem... que ele já (minimamente) conhecia.
- Pai, já está!
- Como é que conseguiste?
- Eu não conheço bem como é o mapa do mundo, mas sei como é a figura do homem.
De fato, talvez não saberemos nem poderemos reconstituir o mundo... nas suas mais diversas situações e problemas, mas poderemos tentar recompor o homem... em nós e à nossa volta.
Racionalmente podemos tentar. Irracional, clubística e futebolisticamente... será muito mais difícil!

António Sílvio Couto

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