Apesar dos diferentes habitats em que se desenrolam, estes três ‘bichos’ podem tipificar a nossa condição de portugueses: luta de caranguejos, ataques dos lacraus e sobrevivência das minhocas…servir-nos-ão para enquadrar a nossa conduta coletiva e, porque não, de teor mais individual.
Não pretendo
dar lições a ninguém nem induzir seja quem for em erro, pois, estes três
‘sinais’ sociais da nossa condição de portugueses são muito mais comum no
tecido humano, cultural, político e económico do que julgamos, misturando-se na
mesma situação a versão caranguejo com a de lacrau e até a convulsão de minhoca
se atravessa na ética – pretensamente republicana – de uns tantos…
1. Luta de caranguejos –
Contaram-me este episódio algo bizarro: um indivíduo estava a apanhar
caranguejos, quando um outro se aproximou e, vendo-o, a colocar os caranguejos
num balde destapado, lhe perguntou: então, não tens receio que os caranguejos
saiam do balde e que fiques sem nada? ‘Não’, retorquiu ou outro: ‘são
caranguejos portugueses, quando virem uns a sair, puxam os outros para baixo
para que não saiam’.
O júbilo
com que vimos certas forças e meios de comunicação social a tratar algumas
figuras a contas com a justiça, deu a entender que há gente que é incapaz de
distinguir entre o sucesso alheio e a acusação de malfeitoria sobre todos os
que não pactuam com a sua coloração ideológica. Nem todos os capitalistas são
ladrões e corruptos, nem todos os empresários se comportam como outros patrões,
nem todos os que dão emprego exploram os trabalhadores. Esta mentalidade de
caranguejo com que certos políticos de ‘esquerda’ tratam os demais nunca fará
do nosso país outra coisa que não seja um antro de preguiçosos pendurados no
fazer o menos possível, ganhando o máximo que possam… Não era tempo de sacudir
esta mentalidade dialético-marxista, que tantos prejuízos tem trazido ao mundo
do trabalho, ontem como hoje?
2. Ataques do lacrau – diz a
velha fábula que, um dia, um lacrau, querendo atravessar um rio, mas não tinha
condições por não saber nadar. Por perto estava uma rã, essa sim com
experiência de andar na água e de atravessar charcos e rios. O lacrau
(escorpião) disse à rã se lhe fazia o favor de o transportar nas suas costas,
ao que, avisada pelo conhecimento que tinha do comportamento fatídico do lacrau,
ripostou em não aceitar o desafio. O lacrau insistiu: se eu te picar,
morreremos ambos. Concordando com a proposta, a rã carregou o lacrau e, no meio
do rio, sentiu uma picada, dizendo: por quê isto, se vamos morrer os dois. Ao
que o lacrau respondeu: está na minha natureza…
Quanta
gente ingrata anda por aí! Quantos aferrolham nas costas dos que lhe fizeram
favores! Quantos se servem dos outros para se promoverem sem olharem a meios
para atingirem os seus fins! Quantos conjugam o verbo atraiçoar nos diversos
tempos e formas, sem pejo nem vergonha. Agora que nos perfilamos para novas
eleições autárquicas, começamos a perceber que uns tantos não merecem que lhes
confiemos o voto, pois nos atraiçoaram em tempos recentes.
3. Psicologia da minhoca – quem
conhecer, minimamente, as minhocas saberá que vivem em lugares húmidos,
lamacentos e que se deslocam ondulando o corpo sobre si mesmas, sem levantarem
muito a cabeça, sobrevivendo enterradas, escavando galerias e canais no solo e procurando
abrigo e alimento na terra.
Num
tempo de gente sem coluna, chamar-lhe minhoca poderá ainda ofender as que o são
e tentam sobreviver para não acabarem como isco de pesca. Não é de forma
gratuita que se aplica o termo ‘minhoquice’ para caraterizar o não-assunto com
que certas pessoas se entretêm. Sim, as minhoquices são tropelias de quem não
tem vida própria e se ocupa da alheia…nas redes (ditas) sociais, nas conversas
de café, nas intrigas de facebook ou mesmo nas suspeitas que lançam, alimentam
e reproduzem.
É
verdade: quem não sabe andar de pé, rasteja e faz-de-conta que os outros lhe
ligam importância. Tantas minhocas povoam o nosso mundo, favorecendo e sendo
aduladas por idênticos na sua insignificância.
= Dos
caranguejos invejosos, dos lacraus venenosos e das minhocas peçonhentas,
livrai-nos, Senhor.
António Sílvio Couto
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