Há dias
tive uma conversa que me ajudou a elucidar esta possível contradição (ou não) –
o mal de uns é o bem de outros.
O meu
interlocutor, à minha pergunta como iam os trabalhos, ele ripostou: com tantas
restrições às saídas noturnas, os jovens não saem, não bebem mais um copo e não
têm acidentes, por isso, o nosso trabalho está a ficar escasso… Ouvi, registei
e deduzi: como não há tantos acidentes – sobretudo com chapa-batida – também
não há tanto trabalho como seria desejável e/ou necessário!
1. Em vários campos de atividade
podemos constatar esta suposição de que do mal que acontece aos outros, há quem
colha frutos benéficos, mesmo que isso não precise de repercutir-se nas
desgraças alheias. Veja-se o resultado final do campeonato europeu de futebol,
acontecido no último mês: a equipa dos ‘três leões’ fez de outros tantos
jogadores – todos da mesma tez, por sinal – os réus da derrota. Não houve
incúria de quem os escolheu para marcarem os penalties ou foi uma mera revelação
das suas más prestações? Mais um vez aquele nefasto ajoelhar antes do jogo
serviu como sinal de manipulação e de indisfarçável negligência duma maioria
amestrada por razões não-racionais… Não aprenderam as lições recentes?
2. As horas gastas nas televisões em
explorar os erros alheios tem sido, nas duas últimas semanas, a forma
encontrada para esticar a intoxicação quanto às mazelas dos outros: um empresário
sem limites de ambição e uma ambição articulada com trejeitos de empresário,
foram dois dos modelos de sociedade que nos entretiveram ao nível noticioso. A
ascensão dos dois protagonistas são resultado das pretensões politico-culturais
que fizeram fama, sucesso e dinheiro nos últimos vinte anos da nossa vida
pública.
Os que
antes se ufanavam de serem fotografados ou exibidos com tais figuras, agora
sentirão alguma dose de vergonha, pois podem ser equiparados às vítimas…A
promoção de antanho dá a impressão que seria preferível não ter acontecido… Os
registos sobre o que era considerado ‘bem’ funciona como exemplar de todo o
‘mal’?
3. Com que petulância vemos
exibirem-se mentores da ‘moralidade’ com laivos de ilegalidade: uns aparecem
como hakers e piratas informáticos, outros surgem como mentores do ‘quanto pior
melhor’, pois, isso poderá significar conquista de votos, quando deveria ser
averiguado o passado criminoso, tanto da família, quanto dos valores – mesmo
económicos – em que se alicerçam. Já deu para perceber que é da ruindade de
alguns que se faz a programação política de outros quanto ao presente e para o
futuro. Esses ‘moralistas’ conseguem lançar um razoável fumo de confusão, mesmo
que tenham as mesmas vivências e usufruam das piores condutas…até que caia a
máscara em que se movem e por onde se guiam na sombra…
4. Estamos num tempo em que os
interesses pessoais (egoístas, interesseiros e mesquinhos) fazem com que os
direitos dos outros sejam ofuscados e passem para plano secundário. A temática
do combate à pandemia – cuidados, condições e vacinação – veio revelar que uma
boa parte dos cidadãos se está a borrifar par o cumprimento das regras,
pensando mais em si do que nas implicações que o comportamento pessoal tem na
vida dos demais. Quantas facilitações têm contribuído para o retrocesso dos
dados finais nos últimos dois meses. Porque já conseguimos atingir resultados
de boa conduta, pelo contributo de todos, agora, nos devemos interrogar sobre o
incumprimento e os resultados tão dramáticos: o bem dos outros não justificaria
maior luta contra o mal de todos e de cada um? Efetivamente, o mal dos outros
nunca atingirá o melhor de lutarmos pelo bem de cada um…
5. Pela benevolência que todos nos
merecem precisamos de os incluir não na maledicência, com que tantas vezes os
brindamos, mas inseri-los na repercussão que sobre eles lançamos, pelo olhar
compassivo, misericordioso e atento. Será com bondade simples, sincera e leal
que construiremos um tempo e um espaço mais fraterno porque mais humano e
cristão!
António Sílvio Couto
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