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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

‘Big brother’: ainda faz sentido, hoje?

 


Decorridos mais de vinte anos sobre a primeira edição – 3 de setembro a 31 de dezembro de 2000 – podem e devem colocar-se várias questões: o ‘big brother’ (‘grande irmão’) faz sentido, ainda hoje? O público-alvo é o mesmo dessa época ou os alvos-públicos não mudaram? As condições sociais e tecnologias não se modificarão, de então para a cá? Mesmo com as diversas cambiantes (casa dos segredos ou quinta das celebridades), terá alguma utilidade pública um programa deste formato? Que influência ‘cultural’ trouxe à sociedade portuguesa tal programação televisiva e seus adereços, diversificações ou remarques? Até onde irá a panaceia de aturar tais entretenimentos? Com as indiscrições das redes-sociais, ainda terá algum interesse um programa de intrusão/exposição da vida privada ao espiolhar de todos?

Sendo um programa de formato televisivo, o ‘big brother’ tem tido múltiplas edições em vários países, desde o ‘original’ de reality show, proposta de uma empresa holandesa, em 1999, selecionando vários concorrentes que viveriam numa mesma casa, vigiada por câmaras e som vinte e quatro horas por dia…sendo feita uma votação para excluir os participantes, segundo critérios exteriores à casa ou intrínsecos aos conviventes.

O nome ‘big brother’ foi colhido do livro ‘1984’ de George Orwell, editado em 1949, que retratava um regime totalitário, inventado pelo autor, ao qual todos obedeciam, o ‘grande irmão’, num culto da personalidade, tolerada, embora detestada e combatida…até à sua queda final!

O ‘big brother’, em Portugal, teve seis edições com anónimos e mais três com os (apelidados) famosos. No sucedâneo ‘casa dos segredos’, estreado em 2010 e até 2018, houve treze edições (seis normais e sete especiais), até à reformulação em 2019, dando início a uma quinta temporada…mesmo em tempo de pandemia.

 = Feita esta deambulação histórico-literária-artística, talvez valha a pena centrar-nos nas razões desse tal programa de entretenimento, mas que se tornou algo mais do que aquilo que captamos ou que nos mostram.

Sair do anonimato – quem conhecia algum dos concorrentes, no dealbar da sua apresentação? Vindos das profundezas do país e das circunstâncias mais díspares, emergiram ‘figuras’ entre o tonto e o desequilibrado, à mistura com mentores de causas… num total devem ter passado pelos programas do ‘big brother’ e afins dezenas de figuras, figurinhas e de figurões, catapultando para a ribalta candidatos, concorrentes e até de alguns ‘artistas’ em maré de pouca visibilidade ou no ocaso da carreira. Desde a primeira hora foi tentador o prémio final, atingindo vinte mil contos (equivalente a cem mil euros)… Aquilo que foi novidade antanho já parece toda espremida, pois os concorrentes são material recesso de uma sociedade vazia, acomodada e derrotada.

– Expor a vida – uma das caraterísticas deste tipo de concurso televisivo ou reality show tem a componente de as pessoas permitirem ser expostas até nas facetas mais íntimas, dado que são vistas e ouvidas vinte e quatro horas por dia…para além daquilo que dizem, mostra-se o que fazem. Se a conquista do dinheiro/prémio poderia seduzir, esta exposição de tudo e a todos será um tanto questionável e particularmente deplorável. Há vinte anos atrás isso era ousadia, hoje pode parecer mais uma faceta desse colocar a vida-ao-sol que as redes sociais têm facultado, permitido ou incentivado… Em certos momentos ver intrigas e jogos nos entretenimentos da dita ‘casa’ já só na mente dos comentadores – alguns que já por lá passaram – e, sobretudo nos tempos mais recentes, de representantes de fações socioculturais mais ou menos amorais ou tendencialmente homifílicas…em maré de promoção.  

– Nivelar pelos pés – dá a sensação de ir decrescendo a qualidade dos intervenientes, mesmo que possam ser repetentes ou repescados. Tendo começado com teenagers – mais simples e sem filtros – tem aumentado a idade dos participantes, embora diminuindo a teor cultural e a consciência social das suas lucubrações desconexas. O ‘grande irmão’ – sem rosto nem tez – continua a deixar mistério e, quando há desvios do programa, ei-lo como inquisidor implacável…

Era bom que este tipo de chafurdice começasse a ser limpo do plano do audiovisual português. Basta de subdesenvolvimento e de exploração da classe trabalhadora, pois o que temos visto é a consagração da preguiça e da inutilidade, servindo ainda mais para criar a sensação de que tudo é fácil, barato e se consegue sem esforço… Cada concorrente ganha entre 200 e 850 euros por semana. Aquilo não é trabalho!

 

António Sílvio Couto

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