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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Num disfarce de carnaval...


Um ‘fato de refugiado’ – calções e casaco verde com uma etiqueta na lapela – foi retirado de circulação porque reclamação uma associação antirracista, que a considerou ofensiva.

O tal disfarce carnavalesco, com o custo de quinze euros, pretendia retratar as crianças refugiadas da segunda guerra mundial, cujos pais alemães as enviaram para a Inglaterra… sendo o número da etiqueta uma (mera) indicação do lugar na viagem.

Este assunto ‘resolveu-se’ porque essa tal associação muito combativa e mediática levantou os pés e um deputado ergueu a voz, considerando o ato asqueroso e revoltante… Entretanto, outros – temas e intervenientes – são silenciados e têm de aguentar muitas das provocações porque tais protestantes não têm poder de fogo nem capacidade de influenciar as decisões.

De facto, muitas das máscaras de carnaval roçam mais a ofensa do que a diversão, conseguem mais troçar quem é retratado do que quem se disfarça, quase pretendem tornar a vida mais um troço de agonia do que uma representação de festa… Tentaremos abordar cada um destes aspetos nessa grande feira que se avizinha… pois é carnaval e há quem possa levar a mal.   

* Troçar: modo de estar ou de saber estar desse modo?

A cultura portuguesa – popular ou mais erudita – tem na capacidade de caricaturar uma longa e prolixa ação. Repare-se nas canções de escárnio e de maldizer, que foram um dos preâmbulos da nossa literatura, secundada nos autos de Gil Vicente e no desenvolvimento em fazer da arte de ironizar uma das formas de comunicação de tantos e tão audazes autores e atores.

O teatro de revista tem sido – sobretudo em épocas de ditadura – uma das expressões de crítica social mais ou menos bem elaborada, por forma a dizer de modo sucinto o que havia de mais complexo e até de mais difícil expressão. Em quantas figuras se tentou reproduzir o que de mais complicado se colocava, fazendo das palavras uma arma de combate e deste um espaço de cidadania bem explorada nas entrelinhas dos escritos e na elaboração de saber dizer com arte e, muitas vezes, com alma…  

* A rir se corrigem os costumes

A expressão latina – ‘ridendo castigat mores’ – tem apresentado uma diversidade de comunicadores, muitos deles sagazes na ironia e no sarcasmo, aproveitando certas épocas do ano para exercer tal arte…com ou sem artimanhas. Em muitos casos se vai apurando a finura de dar a entender mais do que em afirmar claramente.

Ora, o carnaval tem sido um desses momentos mais aproveitados para, por entre máscaras e disfarces, com palavras e chavões, na denotação dos termos até à conotação dos entendimentos se procurarem encontrar possibilidades de diversão, com o recurso à crítica, que pretende pôr a pensar quem ande distraído, mesmo que possa (até) ser alvo da chacota e do riso…

- Quando vemos fações partidárias defenderem de forma fundamentalista a vida dos animais e promoverem a morte dos humanos, não será isto, uma espécie de brincadeira de carnaval?

- Quando vemos certos ecologistas – mais ditos do que práticos – a corroborarem a despenalização da morte doce dos humanos sem atenderem ao essencial na saúde e na segurança, não poderemos considerar que já andam a brincar ao carnaval?   

* Tentando assumir papéis não-próprios

Por ocasião dos festejos carnavalescos, com alguma subtileza, se assumem papéis não vividos noutras funções, podendo trazer à luz do dia anseios não concretizados ou até aspirações raramente concretizadas…Isto e muito mais parece ser catapultado na época do carnaval, prestes a começar na sua reinação… Embora se possa considerar o tempo do carnaval como algo de festivo, ele ganha sentido na medida em que possa ser uma preparação para viver melhor a quaresma, enquanto tempo litúrgico de caminhada para a páscoa. Pena seja que se tente usufruir das consequências sem cuidar das verdadeiras causas! Pena seja que se faça do carnaval um espetáculo quase degradante, quando faltam condições autênticas para que possa haver festa com sentido e nalguma alegria…

 

António Sílvio Couto




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